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Raul Loureiro e seu legado



Raul Loureiro e sua esposa Laura Loureiro

Morreu neste sábado (30) aos 85 anos Raul Loureiro, empresário que fundou o Cine Olympia e Cinerama em Santarém, no oeste do Pará. Raul estava internado em estado grave no Hospital da Unimed, após sofrer um AVC isquêmico.
Raul Loureiro nasceu em Fordlandia e se tornou empresário no ramo cinematográfico após avô e pai que fundaram os primeiros cinemas fixos da cidade falecerem. Tanto o Cine Olympia, quanto o Cinerama foram extintos e no prédio onde funcionava o Cinerama hoje abriga uma igreja evangélica.
Em uma entrevista à TV Tapajós há 5 anos, Raul disse que já sabia que o cinema iria acabar, por conta da "concorrência" como os filmes em VHS, DVD e, mais tarde, a popularização da internet. Mesmo assim, o empresário demonstrava felicidade por saber que pôde proporcionar muitas alegrias aos santarenos.
O empresário era casado com a senhora Laura Macedo com quem teve 6 filhos. O mais caçula, Emanuel Loureiro é o cineasta da família.
De acordo com familiares, o corpo de Raul Loureiro será velado na capela mortuária da Igreja do Santíssimo. O sepultamento será amanhã, 04, quarta-feira, no cemitério Nossa Senhora dos Mártires, localizado na área central da cidade.


Raul Loureiro em uma foto histórica com a família

Testemunhos

Veja o que falou o jornalista Milton Corrêa, do Jornal O Impacto, em seu artigo "A História do Cinema em Santarém tem nome: Raul Loureiro"
"Em uma tarde de sábado, 28 de abril de 2018, visitei meu ilustre amigo Raul Loureiro. Por ele e seus familiares fui muito bem recebido. Matamos a saudade. Lembramos dos bons tempos do cinema Olímpia e Cinerama. A história da cultura de Santarém, jamais poderá ser contada sem a identificação de quem por décadas, trouxe os melhores filmes para as telonas do Cine Olímpia e Cinerama. Portanto, a história do cinema em Santarém tem nome: Raul Loureiro.
Questiona-se: Por que até hoje a Câmara Municipal e instituições culturais de Santarém, não lembraram de quem ao longo de anos trouxe para a nossa gente, o entretenimento e diversão com a mostra dos melhores filmes à época exibidos no Brasil e que, Raul Loureiro, atento aos lançamentos, trouxe para Santarém? E foi assim, que ele com suas casas de cinema sempre lotadas (Cine Olímpia e Cinerama), proporcionou a milhares de pessoas desde crianças a idosos, a vibração, o sorriso e a alegria. Foram momentos felizes para muitos e que hoje sentem saudades.
Há quem lembre dos filmes do velho western (“cowboys” ou “filmes de faroeste”), com Giuliano Gema, Yul Brynner, Charlton Heston, Charles Bronson, Terence Hill, Burt Lancaster, Marlon Brando (A Face Oculta), os filmes com Brigite Bardott, Cláudia Cardinale, Úrsula Andress, Sean Connery e os primeiros 007, Jerry Lewis, O Gordo e o Magro, os Três Patetas, foram tantos filmes, que divertiram e fizeram muitos viajarem no tempo. Com certeza, há quem sinta saudade até do empurra, empurra, para entrar no cinema Olímpia, em dia de estreias, como “Os Trapalhões”, por exemplo e mais: Os Dez Mandamentos e O Vento Levou, O Padre que Queria Casar, Ben Hur, bem como Gringo Não Perdoa – Mata! E tantos outros.
Raul Loureiro e seus filhos, faziam a gestão das mais importantes casas de cinema que Santarém já teve. Ele sempre passivo, autêntico, humilde, mas com a altivez de um grande empresário no ramo do entretenimento da nossa Santarém, que agradece por ter proporcionado tantos momentos de alegria e descontração aos santarenos. Momentos esses que com certeza, fizeram e continuarão fazendo parte da vida de muita gente que lembra com saudade, os bons tempos dessa época, ainda contemporânea.
Hoje, sentindo o peso da idade, Raul Loureiro passa quase a totalidade de seu tempo em sua residência com seus familiares, que a ele dedicam toda atenção, respeito, carinho e amor. O que aliás, está faltando por parte de quem de direito deveria reconhecer e merecidamente homenageá-lo, por ter feito acontecer a história do cinema em Santarém.
Nós santarenos, temos muito o que agradecer ao empreendedorismo, garra, determinação, coragem, força de vontade e amor que Raul Loureiro demonstrou e continua demonstrando aos santarenos, quando viabilizou nas telonas do Cine Olímpia e Cinerama, os melhores filmes e que até hoje, fala deles com a mesma altivez e empolgação da época áurea cinematográfica, em que nós santarenos dificilmente vamos vê-la de novo.
Emanoel Loureiro, um dos filhos de Raul Loureiro herda do pai o gosto pelo cinema e de forma audaciosa e empreendedora, torna-se cineasta, com a produção de seu segundo filme em curta metragem denominado COVATO. Parabéns Emanuel pela feliz iniciativa de manter vivo o amor pelo cinema, herança de seu pai, que para nós santarenos será imortal."

Cine Olimpia, uma bela história em Santarém

Memórias

Acompanhe neste artigo de Lúcio Flávio Pinto (02/09/2018), com fotos de arquivo, do acerco de Apolônio Fonna, um pouco da história de Santarém, quando também cita Raul Loureiro e a mágica da 7ª Arte, em "Memória de Santarém: o direito de ser criança em cidades pequenas". Acompanhe:
"A Rimini da década de 1930, que Fellini retratou em Amarcord, continha a minha Santarém de 20/30 anos depois, onde nasci, cidade que dividiu com Belém a minha formação. Em 1997, na última estadia na Itália, fui ver Rimini, na beira do mar Adriático. Ela continuava a mesma do filme, feito em 1973, que me encheu de alegria, melancolia, nostalgia, tristeza e gratidão, no primeiro contato e no último, na quarta ou quinta revisão. A minha Santarém não existe mais.
Digo isso sem um tom acusador nem com amargura, mas com um sentimento profundo de perda, mais em mim mesmo do que na cidade, desatenta à própria história, levada pelas idas e vindas dos migrantes, das “frentes econômicas”, do arrivismo, estropiada pelos “projetos de impacto” do regime militar e descarnada pelo impacto de agressões, como a do cultivo da soja. Uma cidade que perdeu a maior parte da sua identidade litorânea, praieira e mestiça, que se espalhou e se pulverizou. Sem ter um centro gravitacional para unir ou conectar as suas partes, ficou sem pulso.
Foi uma felicidade ter nascido na Santarém de 1949 e nela passar férias grandes ou pequenas a partir de 1955, em aproximações e distanciamentos, que mantiveram o carinho pela terra de origem sem prejuízo da percepção crítica das suas transformações.


O centro comercial de Santarém e suas carroças de boi

Todos deveriam ter direito a ser crianças em cidades pequenas. Parece ser um antídoto – ou ao menos um atenuante – à massificação das grandes aglomerações humanas, que se distanciam do humano na forma complexa de uma pessoa (no conceito do filósofo Paul-Louis Landsberg).
Pelas ruas circulavam poucos veículos automotores. Em compensação, havia os carros de boi, com seu condutor alerta (mas não tanto), chicote à mão. Nada melhor para provocar o instinto dos moleques. Um ou vários “morcegavam” na parte de trás do carro, o coração batendo apressado e os olhos fixos na nuca do carroceiro. O menor movimento brusco disparava o alerta. O carona intruso se largava da carroça e disparava em fuga. Mas logo estava a postos para nova incursão.
Medo semelhante se sentia do Caixa d’Água, cidadão alto, parecendo um índio, que circulava abúlico, sempre carente daquela água que passarinho não bebe para simular sua agressividade e servir aos apelos de quem (geralmente um adulto) precisava assustar a molecada. A aparência de Boris Karloff no papel de Frankenstein escondia um ser infantilizado por alguma doença mental – que os moleques nem pensavam em investigar. Era correr e só.


O velho trapiche em frente a cidade de Santarém

Havia muita ingenuidade e fantasia, elementos da nossa personalidade que se realimentavam na casa da imaginação, o Cinema Olímpia, do Raul Loureiro, matriz de muito das nossas vidas. As “melhores” famílias da cidade tinham sua conta corrente no livro de caixa do Raul, que ficava na bilheteria das sessões noturnas inesquecíveis. Autorizado não sei por quem, talvez por mim mesmo, entrava correndo no Olímpia pedindo para o Raul debitar na conta do tio Dácio Campos, casado com minha tia Aida, irmã da minha mãe, Iraci.
Não deixava de ser uma temeridade. Tio Dácio era econômico, para ser econômico na classificação. Contava os tostões, sem chegar a pesar os ovos que ia comprar, como dizia a lenda que fazia, no mercado, o irmão dele, Miguel (pura fofoca, é claro). Dácio era alto e tinha o maior tórax da cidade, preenchido por muito músculo.
Além disso, contava com uma voz de tenor. Físico e voz se tornavam em moral ambulante quando uma mãe qualquer, sem conseguir se fazer obedecida, recorria à tonitruante autoridade do “seu” Dácio. Um “mooooolequeee” dele era o bastante para inspirar terror e enquadrar o recalcitrante na lei e na ordem. E ele não se fazia de rogado. Era pedir e receber o retorno sonoro.


Garapeira ao centro, à esquerda o Cine Olimpia
e a direita o Centro Recreativo

O entusiasmo por um filme do Super-Homem quase leva a um grave acidente. Palmério, o mais antigo amigo que me resta (jornalista como eu, morando há muitos anos em São Paulo, depois de passar pelo Rio de Janeiro), foi me buscar em casa, na quadra seguinte da rua em que ele também morava. Íamos voar a partir da pista de decolagem na marquise do Olímpia. E lá fomos, devidamente apetrechados com um lençol amarrado ao pescoço, a nossa asa voadora. Palmério, mais ousado, foi o primeiro a tentar decolar – e a se esborrachar lá embaixo, num dos muitos acidentes da sua longa carreira de artista. Eu preferi descer de outra maneira.
O Olímpia ficava na praça da matriz, uma igreja colonial que os padres americanos, sucessores dos alemães, transformaram, com suas reformas, em qualquer coisa, como dizia o Caetano Veloso, descaracterizando-a e a deformando a pretexto de modernizá-la. Na praça havia a garapeira do Pequenino, oficialmente denominada Ypiranga. Ele produzia uma garapa maravilhosa, fresca e substancial.
Produzia, porém, e, sobretudo, fofocas. Assegurava a mesma língua viperina da cidade que o Pequenino anotava num caderno as datas dos casamentos das jovens damas santarenas, que faziam sua cerimônia nupcial ali em frente, na catedral de Nossa Senhora da Conceição. Se o primeiro parto acontecesse antes de nove meses, a desonra era certa, ao menos na língua de trapo do Pequenino.

O cais em rente à cidade, em Santarém

Uma cena do Olímpia que Fellini não perderia aconteceu numa sessão noturna. Quando as portas laterais da sala de exibição foram abertas para permitir a entrada de ar, casais que se haviam combinado abriram seus guarda-chuvas. Era o protesto coletivo pelas goteiras, que se multiplicavam no telhado. Loureiro veio da bilheteria para pedir que guardassem suas ferramentas. Mandaria consertar.
Muito Santarém, em Amarcord, realidade e ficção misturadas numa memória que se desdobra ao som da música sinuosa de Nino Rotta."


Um homem visionário

Raul Loureiro deixa um legado de generosidade, honradez, humildade. De caráter exemplar, íntegro e de uma cultura sem igual. Católico fervoroso e de muita fé. Apaixonado pela sétima arte, falava com entusiasmo de seus cinemas Olímpia e Cinerama, com muito orgulho e o que representavam para Santarém. Outra paixão, suas viagens internacionais. Conheceu quase o mundo todo e trazia sempre na bagagem as mais belas recordações, recheadas de cultura e conhecimentos e nos brindava a todos os amigos com conversas agradáveis, bate-papos memoráveis.

Extraído do Blog do Jurandir Anselmo

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