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Um ano sem Dilma: um remédio amargo necessário ou um golpe?

Há exatamente um ano, o Senado decidia por 61 votos a 20 que a presidente Dilma Rousseff deveria deixar o palácio do planalto, por causa das acusações de pedaladas fiscais. Na mesma data, o vice Michel Temer já faria o primeiro discurso como chefe na nação. Alguns meses antes, no dia 17 de abril, 367 deputados disseram sim ao afastamento da presidente, 137 foram contrários, 7 se abstiveram e dois não compareceram.

Um ano do impeachment:
Por Maria Teresa Cruz

Futura Press

Mas para chegar a essas votações que resultariam no afastamento de Dilma e na ascensão de Temer ao poder, o processo começou muito antes, com uma ação pedindo a investigação da petista acusada das chamadas pedaladas fiscais, ou seja, de mexer no orçamento sem passar pelo Congresso, destinando verbas à programas sociais, bandeiras do governo do PT. Além da então presidente Dilma Rousseff, que passou por um processo de desgaste político e pessoal também, duas figuras tiveram, cada um a seu modo, papel de destaque no episódio: a advogada Janaina Paschoal, que ao lado do jurista Helio Bicudo formalizou o pedido de impeachment de Dilma, e o ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que, como prerrogativa, trabalhou na defesa da ex-presidente.



Em entrevista ao Yahoo, Janaina Paschoal afirma que não se arrepende de ter pedido o afastamento de Dilma e que faria tudo de novo se fosse necessário. “Se soubesse de tudo que sei hoje, teria sido ainda mais dura. Os crimes foram ainda mais graves do que fora apresentado durante o processo de impeachment. Veja as delações de Marcelo Odebrecht, de Mônica Moura e mesmo a da JBS. Além disso, a situação na Venezuela reforça minhas convicções”, afirma, ao traçar um paralelo com a atual situação da Venezuela. Para ela, o PT queria fazer do Brasil uma Venezuela. “Todas as noites, eu sinto que salvei o Brasil de passar pelo que passam nossos irmãos venezuelanos”, orgulha-se.


Já para o ex-ministro José Eduardo Cardozo, que atualmente se afastou por completo de funções políticas e advoga em Brasília e São Paulo, tudo que aconteceu, desde o impeachment – na avaliação dele um golpe com cores de flagrante injustiça – passando por um ano de governo de Temer como um período de grande tristeza. Cardozo lembra que disse, em diversas oportunidades, que um governo que nascesse daquela forma, fruto de um golpe parlamentar, não teria chances de tirar o país da crise. “E até gostaria que tivesse tirado, o que não aconteceu”, afirma. “Portanto, eu vejo tudo isso com muita tristeza. Eu não vejo nada que a gente tenha dito que não tenha sido confirmado. Primeiro, dissemos que nenhum governo eleito com golpe institucional tiraria o país da crise. Segundo lugar, o governo Temer foi montado com um ministério assustador, não apenas do ponto de vista de exclusão social que ele simbolizava, porque não tinham mulheres, não tinham negros. Mas também do ponto de vista ético, os fatos mostraram as pessoas em torno dele e ele próprio envolvido em graves acusações. Os fatos dados são violentíssimos”, diz Cardozo em alusão ao episódio da mala do ex-assessor e ex-deputado Rodrigo Rocha Loures e a delação de Joesley Batista, que coloca Temer em posição de destaque em episódios de corrupção.

“Quando você observa as denúncias envolvendo Temer e compara às denúncias que existiam contra Dilma Rousseff, que ensejaram o impeachment, o processo fica cômico. Nós tivemos um Congresso afastando Dilma por uma questão orçamentaria. Por uma questão feita por todos os outros governos, por uma situação de uma mudança de jurisprudência do Tribunal de Contas da União, que entendeu aquilo que sempre se entendeu como legal como ilegal a partir de certo momento”, avalia Cardozo, lembrando que Michel Temer foi o primeiro presidente da república no exercício da função denunciado por corrupção. “A mesma Câmara que autorizou o processo de impeachment de Dilma, se recusa que Michel Temer seja processado criminalmente por corrupção”.
Reprodução

Nesse ponto, Janaina e Cardozo tem visões que se tangenciam. “Independente de eventuais pontos positivos, penso que a situação envolvendo a mala encontrada com seu assessor Rocha Loures precisaria ser esclarecida. Ainda que a denúncia ofertada em face do Presidente não tenha tido andamento, penso que todos os brasileiros aguardam essa explicação. O silêncio com relação à mala finda minando as reformas que seriam necessárias. A recente notícia de elevação de impostos também desagrada muito. Afinal, pagamos para nosso dinheiro ser desviado”, avaliou a advogada Janaina Paschoal. Contudo, a advogada defende que uma possível cassação da chapa Dilma-Temer, já que muita gente diz que quem votou em um votou em outro, seria incorreto do ponto de vista jurídico. “Uma denúncia precisa definir responsabilidades. A política econômica e financeira, toda essa questão das pedaladas, é de responsabilidade do Presidente e não do Vice. Tecnicamente, não teríamos como atribuir os crimes de responsabilidade a Temer, que era o Vice. O impeachment tem um viés político, mas é eminentemente jurídico, não tínhamos como envolver o vice naquele momento. Não houve escolha, houve observância das leis vigentes”, destacou.

Decepção

“Tínhamos uma boa relação pessoal, apesar das divergências políticas. Mas eu não posso negar que me decepcionei com ele”, assim o ex-ministro José Eduardo Cardozo avalia a figura de Temer e as atitudes nesse último ano. “Eu não esperava de Michel Temer uma postura de articulação de impeachment da chapa pelo qual ele tinha sido eleito. Em segundo, não esperava um governo que não seguisse minimamente o programa para o qual ele teria sido eleito como vice. E, por fim, nunca esperei dele um gesto de falta de generosidade em um momento que é evidente que ele não pode governar. Esperava que ele renunciasse. Há uma diferença entre Dilma e Temer: Dilma não era acusada de nada sério, Dilma estava sendo afastada por pretextos. Ela nunca desviou nem foi acusada de se apropriar de um centavo dos cofres públicos. Não é o caso dele. Então eu esperava que ele tivesse a grandiosidade de permitir que o Brasil pudesse ter eleições diretas”, disse.

A advogada Janaina Paschoal explica que o pensamento da maioria é o de manter Temer no cargo, apesar de reconhecer que as acusações contra ele são bastante graves. “O áudio é comprometedor e a conversa não foi negada pelo Presidente. A meu ver, o maior problema foi a mala de dinheiro encontrada com Rocha Loures. Ainda que se façam ponderações de ordem técnica à acusação, os fatos são contundentes. Eu preferiria que a denúncia houvesse sido recebida. Penso que seria bom para o país, mas tenho consciência de que esse pensamento não expressa a maioria”, avaliou. E discorda da convocação de eleições diretas, na avaliação dela, uma manobra e um desrespeito à Constituição. “A Constituição, na hipótese de o Presidente ser afastado, não prevê eleições diretas. Então, sou contrária a qualquer manobra para antecipar eleições. Mesmo para 2018, ainda não tenho candidata ou candidato. Creio que novos nomes ainda surgirão. E isso é bom!”, concluiu, esperançosa.

Violações de direitos e vale tudo

O ex-ministro José Eduardo Cardozo, que atuou na defesa de Dilma, acredita que nada poderia ter sido feito diferente para tentar salvar a presidente, porque era um jogo de cartas marcadas. “Eu tive a convicção de que o processo estava absolutamente perdido em dois momentos: quando a Câmara aprovou o relatório absolutamente inconsistente do Jovair Arantes, e quando o Ministério Público pediu o afastamento de Eduardo Cunha e isso não se confirmou. Alguns articuladores políticos do Planalto acreditavam que ainda podia se reverter, mas eu não”, explicou. “Normalmente quando você perde um processo é comum avaliar as possíveis falhas. E nem sempre é uma questão de falha, porque quando vê posteriormente o processo, você enxerga por uma outra dimensão onde o se, fator imponderável se coloca e nem sempre pode ser confirmado. Curiosamente, embora tenhamos perdido o processo de impeachment, não acredito que tenha havido erro da nossa parte. Qual foi a estratégia utilizada? Nós sabíamos que haveria um impeachment depois do voto na Câmara. Não se tratava de tentar convencer julgadores, porque julgadores não seriam convencidos. Nós precisávamos ser didáticos para mostrar que tudo aquilo era uma farsa e precisávamos mostrar tecnicamente a farsa. E não era fácil explicar aquilo, porque o processo era complexo. Ao mesmo tempo, era preciso ser didático para explicar para a sociedade o que tinha acontecido, para que ficasse registrado para a história e para os dias seguintes o que tinha acontecido. E acho que no limite das nossas possibilidades, nós conseguimos isso”, ponderou Cardozo.
Agência Câmara

No entanto, ao criticar alguns rumos da operação Lava Jato, que, para o ex-ministro, representam abuso ao estado de direito, lembra que o vazamento da gravação do diálogo entre Lula e Dilma, contribuiu para minar de vez a figura já bastante alvejada da então presidente. “Aqueles áudios sendo divulgados em redes de televisão, sendo reprisados, sem conseguir explicar o contexto em que foram gravados, gerou uma revolta na população, que foi para as ruas. Aquilo não poderia ter sido divulgado e o próprio STF entendeu isso. Mas em sendo divulgado, que se desse a oportunidade de explicar e isso não aconteceu. Foi um massacre. A luta contra a corrupção é virtuosa, mas o respeito ao estado de direito é virtuoso”, afirmou Cardozo. Para ele, alguns dos abusos da Lava Jato tem ocorrido porque existe um desejo muito forte de combater a corrupção, e isso é fundamental, mas existe também uma dimensão um pouco messiânica dos agentes envolvidos diretamente na operação e um contexto social em que o brasil ainda não introjetou o estado de direito na cultura.

Consciência tranquila

Por ter se destacado na atuação em favor do impeachment de Dilma Rousseff, a advogada Janaina Paschoal ficou bastante conhecida e dividiu opiniões, até porque o tema inspirava posturas passionais e radicalizadas. Em mais de uma oportunidade, Janaina foi alvo de montagens na internet, ora criticando, ora enaltecendo a postura dela. Janaina afirma que não tomou nem vai tomar nenhuma medida com eventuais ofensas, porque tem a consciência tranquila. “Eu sou uma defensora das liberdades, mesmo reconhecendo que há exageros, prefiro que todos tenhamos essas liberdades garantidas. Não tomei nenhuma medida contra ofensas e críticas. O apoio, agradeço, sempre. E o povo brasileiro, em peso, está comigo”, afirmou. Além disso, Janaina explica que tudo que fez foi pelo país e que nunca quis fama. “Quando pedi o impeachment de Dilma Rousseff, eu não buscava reconhecimento, buscava apenas a tranquilidade de saber que não me omiti diante do destino que estava traçado para o nosso país. Eu tenho a tranquilidade de que fiz o certo e o necessário, nos termos da Constituição Federal”, concluiu.

Admirador pessoal da ex-presidente Dilma Rousseff, o ex-ministro José Eduardo Cardozo destaca o contexto bastante machista em que o impeachment se deu, inclusive com argumentos validados única e exclusivamente pela condição de mulher. “Dilma sempre foi uma guerreira e ao longo da trajetória passou por muitas violações. Ela tinha dimensão desse machismo, com certeza”, contou. Para ele, a tranquilidade com que Dilma passou pelo processo, apesar do inevitável desgaste, denotam a certeza da inocência dela. “Uma pessoa que está certa é uma pessoa que é resistente na luta. Dilma nunca foi ambiciosa pelo cargo de presidente. Mas ela sabia que naquele contexto havia um componente antidemocrático, de injustiça que era o fato de ela ser mulher. E havia todo um machismo envolvido no conjunto de situações que acontecia naquela disputa”, avaliou Cardozo, ao lembrar o quanto, especialmente na imprensa, Dilma foi retratada como tresloucada. “É comum quando um homem toma posturas firmes ser chamado de estadista. Uma mulher firme, que faz isso, é uma autoritária, é uma louca”, lamentou.

Cardozo afirma que o embrião de impeachment começou nas eleições de 2014, quando um grupo de pessoas se descontentou com a derrota de Aécio Neves. “No dia seguinte já pediam recontagem de votos e começaram a procurar fatos para pedir o afastamento”, relembrou. Para ele, tirar Dilma era fundamental para os interessados em abafar a Lava Jato, ou estancar a sangria, como teria dito em uma gravação o peemedebista Romero Jucá.

“E aí o chefe do golpe, Eduardo Cunha, e a ideia do quanto pior melhor vigoraram. Vamos lembrar que eles votaram contra a reforma da previdência proposta pelo governo Dilma e agora querem a reforma. Tudo para inviabilizar o governo e criou-se um clima para o golpe parlamentar”.

Para o ex-ministro, as injustiças feitas contra Dilma não serão perdoadas pela história, recuperando o que ele mesmo falou na defesa da petista. “Hoje temos alguns articuladores do impeachment já amargando a consequência dos seus atos. Ninguém ofende a democracia impunemente. O Aécio Neves era o arauto da moralidade, colocava o dedo na cara das pessoas e está aí, aniquilado politicamente. Cunha está preso e outros irão presos. Se você observar, há uma certa praga do impeachment que já atingiu algumas pessoas e vai atingir ainda mais. A história mostra ditos heróis que foram execrados quando se soube a realidade dos fatos nem um pouco nobres”.

Para Janaina Paschoal, Dilma mereceu tudo que teve e dizer que ela foi vítima é uma falácia. “Dilma cometeu crimes graves ao falsear as contas públicas com o fim de encobrir o rombo feito pelos contratos superfaturados com empreiteiras escolhidas a dedo e também mediante a sangria no BNDES. Ela se reelegeu graças a essas práticas. Dizer que ela é vítima não passa de uma estratégia petista. A mesma estratégia que busca vitimizar Maduro”, afirmou, novamente fazendo alusão ao caso da Venezuela.

Questionada se ela tivesse oportunidade de dizer algo à Dilma, o que seria, Janaina Paschoal afirma que manifestaria tristeza. “Eu diria que é muito triste ver uma mulher chegar ao poder e não fazer nada pelo bem do seu país. E é ainda mais triste esta mesma mulher perder a oportunidade de reconhecer seus erros e se redimir. Diria também que não compreendo como alguém que foi presa e torturada continua a apoiar um ditador assassino e torturador como é Nicolás Maduro”, afirma Janaina, novamente defendendo a tese de que o Brasil virará a Venezuela, caso o PT retorne ao poder.

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