Informatica

Tráfico de pessoas uma realidade

“É inegável a urgência na tramitação das propostas sugeridas, de modo a garantir maior penalidade aos criminosos e ajudar a desenvolver legislação específica de apoio às vítimas do tráfico de pessoas”

POR LÍDICE DA MATA



Dois fatos me levam a reforçar o tema do enfrentamento ao tráfico de pessoas neste artigo. O primeiro foi a adesão do Brasil, no último dia 9 de maio, à Campanha Coração Azul, promovida pelo Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC) no Brasil. Esta campanha já é desenvolvida em dez países e tem por objetivo mobilizar e conscientizar a sociedade para o combate ao tráfico humano. A cantora baiana Ivete Sangalo foi nomeada, durante o evento, embaixadora da Boa Vontade para combater o tráfico de pessoas no Brasil.

O segundo fato é o término, na semana que se inicia, da apresentação da novela Salve Jorge, que tão bem abordou o tema do tráfico internacional de pessoas. Durante meses, nossa sociedade pôde entrar em contato com as diversas facetas deste crime, muitas vezes desacreditado da população.

Quero lembrar que no Senado, finalizamos em dezembro do ano passado relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tráfico Nacional e Internacional de Pessoas, cuja relatoria me coube, ao lado da senadora Vanessa Graziottin, que presidiu aquela CPI, e do senador Paulo Davim, que agora preside subcomissão sobre o mesmo tema.

No relatório, alertamos as autoridades sobre a urgente necessidade de se adequar a legislação criminal brasileira, e apresentamos propostas para tipificar esses crimes, além de sugerir políticas públicas integradas para o combate e prevenção ao tráfico humano.

Em fevereiro, tive a oportunidade de participar do lançamento do II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, coordenado por três pastas do governo federal: Ministério da Justiça e Secretarias de Direitos Humanos e de Políticas para Mulheres.

Este plano levou em conta diversos itens apontados em nosso relatório da CPI do Senado e contempla ações como o fortalecimento das Centrais de Atendimento às Mulheres (Disque 180) e dos Direitos Humanos (Disque 100), além da ampliação dos programas de capacitação de agentes que atuam nessa área.

Todas essas iniciativas vão ao encontro da proposta que apresentamos no relatório da CPI do Senado, que visa à criação de um marco legal para enfrentar os crimes de tráfico humano, partindo de ações que devem integrar três eixos, que estou chamando de 3P´s: punição, prevenção e proteção às vítimas.

Durante aquela cerimônia, foram divulgados dados consolidados sobre o tráfico de pessoas no Brasil: entre 2005 e 2011, a Polícia Federal registrou 157 inquéritos por tráfico internacional para fins de exploração sexual, enquanto que o Poder Judiciário, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), teve 91 processos distribuídos. Entre as estatísticas, outro dado preocupante: a de que foram identificadas 2.072 vítimas entre 2005 e 2011, mesmo com a falta de provas e o baixo número de denúncias. Ainda naquele mesmo período, foram registradas 475 vítimas de tráfico de pessoas, das quais 337 sofreram exploração sexual e 135 foram submetidas a trabalho escravo. O levantamento mostrou, ainda, que a maioria das vítimas brasileiras do tráfico internacional teve como destino países da Europa como a Holanda, a Suíça e a Espanha, mas também o Suriname, que registra a maioria dos casos. No Brasil, os estados de Mato Grosso do Sul, Pernambuco e Bahia registraram ocorrências do que se chama de tráfico interno.

Durante quase dois anos, nossa CPI atuou no debate e na busca incansável de informações que pudessem ser transformadas em propostas para ajudar o Parlamento e as autoridades governamentais a encontrar a melhor forma de combater o tráfico de pessoas, seja dentro ou fora do País.

A campanha Coração Azul, da UNODC, da qual agora o Brasil participa, vai ao encontro da necessidade de serem ampliadas as ações para coibir o tráfico de pessoas em todas as suas finalidades, seja a exploração sexual, adoção ilegal de crianças, trabalho escravo ou ainda o tráfico de órgãos humanos.

O relatório final da CPI do Senado já foi encaminhado à Mesa Diretora desta Casa, para a qual pedimos que seja agilizada a tramitação dos projetos de alteração legislativa nele contidos. Também já solicitamos que a Comissão de Direitos Humanos do Senado dê especial atenção aos desdobramentos dessas propostas. Além disso, também a Câmara dos Deputados tem uma Comissão de Inquérito instalada para esta finalidade.

É inegável a urgência na tramitação das propostas sugeridas, de modo a garantir maior penalidade aos criminosos e ajudar a desenvolver legislação específica de apoio às vítimas do tráfico de pessoas, já que esse tipo de crime está relacionado a outras práticas de violações aos direitos humanos, como a exploração de mão de obra escrava e a exploração sexual. Infelizmente, o atual Código Penal Brasileiro só prevê a criminalização do tráfico de mulheres com a finalidade de exploração sexual.

Precisamos ampliar a legislação para prever e ampliar as penas para esse e outros tipos de tráfico também.

Quero registrar o trabalho feito pela autora e novelista Glória Perez, que conseguiu unir ficção e realidade ao abordar, de forma tão competente, uma dura realidade que aflige milhares de pessoas no Brasil e no mundo. Da mesma forma, cumprimentar o elenco e diretores da novela pela excelente atuação e resultado nas telas. Esperamos que o final da apresentação de Salve Jorge não represente o fim dos debates sobre este triste tema, nem tão pouco que o assunto caia no esquecimento das pessoas e da imprensa.





Lídice da Mata

* Formada em Economia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), é senadora pelo PSB da Bahia, eleita em outubro de 2010, e líder do seu partido no Senado. Foi prefeita de Salvador e deputada federal.

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