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A província se defende como pode

- Por que parada militar? Não seria mais apropriado comemorar esse dia com desfile de escolas de samba? 

Essa pergunta foi feita, via facebook, por Cláudio Nogueira, de Manaus. Amanhã, 5 de setembro, dois dias antes do Grito do Ipiranga, a Secretaria de Educação do Estado do Amazonas bota as crianças prá marchar. Na verdade, ninguém sabe direito porque está marchando. Feriado. Data cívica.

A escola vai empurrando com a barriga, aos trancos e barrancos, obrigando os alunos a memorizarem algumas datas e os nomes de alguns “heróis”. A mídia vai fazendo como pode o seu samba do crioulo doido ou a toada do caboco pirado.

Comemorar o quê?

Alguns já trazem a resposta decorada: em 5 de setembro de 1850 o Amazonas foi elevado à categoria de Província. E daí? Faça uma pesquisa de opinião, entreviste vereadores, deputados, prefeito e pergunte a cada um deles: você sabe o que significou para a vida dos amazonenses a criação da Província?

Taí, uma boa pergunta: o que teria acontecido, se não tivesse havido o 5 de setembro, isto é, se o Amazonas NÃO tivesse se transformado numa província autônoma?

Bom, em primeiro lugar, hoje não seria feriado no Amazonas. Que pena!

Em segundo lugar, continuaríamos sendo uma comarca da Província do Pará e depois um município do Estado do Pará. Do ponto de vista político, não teríamos um governador próprio.

Não haveria também uma Assembléia Legislativa do Amazonas, da mesma forma que hoje não existe uma Assembléia Legislativa do Alto Solimões.

Como o Alto Solimões nos enviou esses dois estadistas impolutos – Lupércio Ramos e Belarmino Lins – assim também nós enviaríamos para a Assembléia Legislativa do Pará, como representante do Amazonas, um montão de “fichas sujas”.

O amazonense não existiria como identidade coletiva politicamente trabalhada e estimulada. Seríamos todos paraenses, conterrâneos – ai, meu Deus! – do Jarbas Passarinho e do Jader Barbalho, mas em compensação de muita gente porreta. Falaríamos bonitinho como os paraenses, enfatizando os “nh”: maninio, queres comer farinia da vizinia?

Pesquisa histórica me levou a trabalhar os Anais da Assembléia Legislativa Provincial, onde estão as atas com os discursos dos deputados, seus projetos, os argumentos a favor e contra, enfim as diferentes propostas dos setores dominantes.

Publiquei então um artigo intitulado “Quanto vale um índio no Amazonas”, onde reproduzi o primeiro projeto dos nossos deputados, que vale a pena ser relembrado.

A criação da Província do Amazonas permitiu que a elite econômica local organizasse a exploração da mão-de-obra, formada fundamentalmente por índios. Em 1850, cerca de 60% da população recenseada do Amazonas era constituída por índios.

Os negros não ultrapassavam o número de 500, os donos de plantações e os negociantes ligados ao extrativismo tinham nos povos indígenas a principal fonte de mão-de-obra. Se o índio não trabalhasse, ninguém comia no Amazonas.

Os deputados da Assembléia Legislativa Provincial, representantes da minoria de 8% de brancos que aqui vivia se lançaram com voracidade sobre os índios. Os nobres deputados não esperaram sequer que a Casa fosse organizada para colocar as unhas de fora. No dia 9 de setembro de 1852, foi lido o primeiro projeto da Assembléia Legislativa que rezava:

Art. 1 – Fica livre a todo morador poder ir contratar a troca dos indígenas bravios com os principais das nações selvagens.

Art. 2 – Feita a troca, o individuo apresentar-se-á com os indígenas perante o Juiz de Paz mais vizinho para assinar um termo de educação por espaço de dez anos.

Os nobres deputados voltaram a entrar na História pelas portas dos fundos alguns anos mais tarde.

A Lei nº 86 de 22 de outubro de 1858 concedia “um prêmio de 50$000 réis por indígena isolado e 100$000 réis por chefe de família indígena excedente a duas pessoas, maiores de 8 anos de idade, ao empresário que colonizar e fizer residir no estabelecimento número superior a 15 indígenas”.

Para os índios, que constituíam a maioria da população, a elevação do Amazonas à categoria de Província significou o recrudescimento da exploração de seu trabalho, a invasão de suas terras, com conseqüências graves, que levaram ao extermínio de muitos povos e ao empobrecimento cultural da região.

Comemorar o quê? Quem comemora? Parada militar ou escola de samba? Viva o 5 de setembro? O que interessa agora é saber quando o Amazonas deixará de ser província.

P.S. – Conto esses e outros fatos no livro de minha autoria “Rio Babel – a história das línguas na Amazônia”. A Editora da UERJ, em coquetel realizado sábado, 3 de setembro, na Bienal do Livro no Rio, organiza o lançamento da sua segunda edição – a primeira se esgotou.

Por José Ribamar Bessa Freire

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