Informatica

Copa América: Competição pode piorar situação da pandemia no Brasil

Especialistas afirmam que receber Copa América pode piorar a pandemia no Brasil

Anita Efraim e João de Mari

Conmebol agradeceu ao presidente Jair Bolsonaro e à CBF por aceitarem realizar a Copa América no país (Marcos Correa/Brazilian Presidency/Handout via REUTERS)

Maior número de pessoas circulando no país aumenta probabilidade de novas variantes

Mensagem do governo federal é de permissibilidade e "pouco caso" com a pandemia

A Conmebol anunciou nesta segunda (31) que a Copa América de 2021 será disputada no Brasil, após as desistências de Argentina e Colômbia, sedes originais da competição. A confederação agradeceu ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e à Confederação Brasileira de Futebol (CBF) pela resolução.

De acordo com a confederação, as datas do torneio — 11 de junho a 10 de julho — estão mantidas, mas as sedes dos jogos ainda serão anunciadas, informou em comunicado através da conta do Twitter.
Sediar a Copa América piora a pandemia?

A resposta dos especialistas é unânime: sim. Médicos e pesquisadores alertam para uma possível piora da pandemia do coronavírus no Brasil com a realização do evento.

De acordo com Gerson Salvador, médico infectologista e especialista em saúde pública, o país vive um momento com “todas as condições para um agravamento da covid-19” devido ao aumento de casos, ocupação de leitos e vacinação lenta.

“Um evento internacional deve aumentar esses riscos, lembrando que o Brasil, em relação à covid, não tem uma situação mais confortável que a Argentina – muito pelo contrário. O Brasil tem uma das piores situações do mundo, hoje só a Índia está em uma situação pior que o Brasil nesse momento”, disse.

Professora da Universidade Federal do Espírito Santo e pós-doutora em Epidemiologia pela Universidade Johns Hopkins, Ethel Maciel afirma que o Brasil não tem como receber a Copa América e aponta para o alto número de casos e mortes pela covid-19.

“Bastante preocupante essa situação. O Brasil não tem a condição de segurança epidemiológica de casos e de óbitos para realizar um evento desses”, coloca.

Ethel ainda lembra que o trânsito de pessoas pode representar problemas tanto para os brasileiros quanto para quem passa pelo país.

“Fazendo um evento esportivo, trazendo delegações de outros países pra cá pode representar um problema para nós, brasileiros, por recebermos pessoas de fora, que eventualmente possam trazer vírus e variantes novas, como também é um risco para outros países, porque eventualmente esse atletas que vão jogar aqui podem levar vírus e variantes aqui do nosso país, afinal, com o vírus circulando aqui, nós temos um alto risco de novas variantes também surgirem aqui”, alerta.
Vacinação de delegações é suficiente?

SinoVac doou 50 mil doses da vacina contra a covid-19 para a Conmebol (Foto: MIGUEL SCHINCARIOL/AFP via Getty Images)

A SinoVac, que produzir a vacina CoronaVac, doou 50 mil doses do imunizante para vacinar as delegações da Copa América. O médico e advogado sanitarista Daniel Dourado avalia que os atletas que participam dos jogos são a parte “menos preocupante”. Ele citou um exemplo utilizado em jogos de basquete nos Estados Unidos para proteger atletas, conhecido como “bolha”.

No entanto, nos jogos norte-americanos, os atletas tiveram que passar por isolamento social de três meses ao longo do torneio - o que não aconteceria no caso da Copa América.

“A questão é que, junto com os atletas, têm a arbitragem, o pessoal de apoio, as delegações inteiras, o pessoal que vai como turismo, pessoal que vai fazer a cobertura dos jogos”, diz Dourado. Há

De acordo com ele, que também é pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), não adianta “falar que vão levar os atletas vacinados”, pois é insuficiente.

“A gente já sabe que o fato de estar vacinado não elimina completamente a chance de a pessoa pegar e transmitir, diminui o risco individual. Mas o fato de ter um grupo vacinado no meio de uma população não vacinada não é, de jeito nenhum, uma tranquilidade”.

Eder Gatti, médico infectologista do Hospital Emílio Ribas, referência no atendimento de pacientes com covid-19 em São Paulo, concorda que a vacinação é uma medida importante e, que de certa forma, amenizaria o problema.

Mas, ele destaca que as aglomerações causadas em eventos esportivos são inevitáveis. Gatti lembra de casos em que, mesmo que apenas “convidados” pudessem entrar no estádio, o entorno ficava lotado, como foi o caso da Libertadores da América, no Maracanã.

“Vacinar todos os atletas não quer dizer que eles estão 100% protegidos. Essa não pode ser a única medida para evitar infecções. Um evento desses precisaria ter mais isolamento dos atletas para não ter exposições necessárias”, acredita.

A Conmebol já sinalizou que quer a final da Copa América no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, mas disse que vai depender da disponibilidade do estádio. A confederação ainda afirmou que tem esperança de que haja liberação para público ao menos na final — nem que sejam convidados, como ocorreu na decisão da Libertadores, entre Palmeiras e Santos.

Hoje, os jogos de futebol no Brasil estão sendo realizados com os portões fechados por causa da covid-19.

E a variante indiana?

Outro ponto que levanta preocupação com a realização do evento no Brasil são as variantes do coronavírus, sobretudo a cepa indiana, que pode estar em pelo menos seis estados brasileiros.

São eles:Maranhão,Pará,Ceará,Rio de Janeiro,Minas Gerais,Rio Grande do Norte

De acordo com relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), a chamada B.1.617 é mais contagiosa em comparação a outras variantes, mas as autoridades ainda investigam se ela está relacionada a quadros mais graves de Covid-19 e se ela aumenta o risco de reinfecção.

“Quando surgem novas variantes já existe uma preocupação. Mesmo que não se saiba de casos mais graves, eventualmente pode ter uma letalidade maior. O problema é, sobretudo, um monte de gente pegar de uma vez e os casos saturar a rede hospitalar, não ter como cuidar das pessoas”, afirma Daniel Dourado.

“E essa variante da Índia, há indicativos de ser mais transmissível. É um problema essa variante, assim como outras que possam surgir”.

O especialista em saúde pública Gerson Salvador avalia que o Brasil está vulnerável à situação devido à “péssima gestão das políticas de saúde na tentativa de controlar a pandemia”.

“Notadamente a falta de articulação a partir do governo federal junto aos estados e municípios, com uma resposta coordenada, faz com que a gente esteja vulnerável à essa situação descontrolada – e nós não dependemos da variante indiana para vermos os casos crescerem e a gente reencontrar uma situação caótica”, diz.

Em um dos casos da variante indiana no Brasil, um viajante chegou da Índia à São Paulo e passou por três cidades chegar em Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, onde vive. O sequenciamento genético confirmou que ele está com a cepa indiana do coronavírus. A Anvisa se isentou da responsabilidade, enquanto o governo paulista diz que os aeroportos do país são responsabilidade da agência.
Qual a mensagem do governo brasileiro?

Especialistas avaliam que governo de Jair Bolsonaro passa mensagem ruim ao aceitar receber a Copa América (Foto: MIGUEL SCHINCARIOL/AFP via Getty Images)

Outro ponto que preocupa os especialistas é a mensagem que o governo de Jair Bolsonaro passa ao aceitar que o evento seja sediado no Brasil. Para Ethel Maciel, o mais correto seria cancelar a Copa América, já que todos os países, com exceção dos Estados Unidos, vivem situação preocupante.

“Na verdade, o correto no momento seria cancelar a Copa América, porque não temos segurança epidemiológica em nenhum país. Todos os países estão muito lentos na vacinação, com exceção dos EUA, nenhum país teria segurança para a realização dessa Copa”, afirma a pós-doutora em Epidemiologia.

“Outro ponto muito ruim, e muito triste, é dizer que a Copa América não será cancelada porque haveria um prejuízo financeiro. E o prejuízo das vidas?”, questiona. “Essa mensagem de menos valia da vida de brasileiros é muito ruim. É uma péssima mensagem que o governo brasileiro passa ao dizer que, na situação epidemiológica que passamos no Brasil, podemos ter um evento esportivo”, opina.

Eder Gatti, infectologista, concorda e considera que a mensagem passada pelo governo é péssima. “O Brasil talvez seja um dos países que pior esteja controlando a pandemia no mundo, somos o segundo no número de mortes, o Brasil passa por um momento muito delicado, a gente tem milhares de mortes por dia.”

O médico acredita que o clima no país não é para um grande evento esportivo, mas deveria ser de colaboração para enfrentar a pandemia. “Promover um evento desse aqui passa uma péssima mensagem para a população. E não dialoga com o estado de espírito que a população deveria estar. A gente deveria ter um espírito de união para enfrentar a pandemia”, afirma.
Presidente da CBF pode ser convocado na CPI da Covid

Após o anúncio de que o Brasil será a nova sede da Copa América 2021, o vice-presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmou, nesta segunda-feira (31), que está protocolando requerimento para convocar o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Rogério Caboclo, para prestar depoimento na comissão.

"Estou protocolando requerimento convocando o Presidente da CBF na CPI da Pandemia, é necessário saber quais as medidas foram planejadas para garantir segurança sanitária aos brasileiros diante da realização da Copa América com tanta celeridade em nosso país", escreveu Randolfe no Twitter.

A comissão tem prazo inicial de 90 dias para realizar procedimentos de investigação e elaborar um relatório final, que será encaminhado ao Ministério Público (MP) para eventuais criminalizações.

Para o presidente da CBF ser convocado na condição de testemunha na CPI da Covid, por exemplo, o requerimento protocolado por Randolfe tem que aprovado em votação na comissão.

Além de apurar ações e omissões do governo do presidente Bolsonaro, a CPI trata de repasses de verbas federais para estados e municípios.

Comentários