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Prédios abandonados assombram Manaus há 20 anos

Construções inacabadas, entre elas obras da falida Encol, têm causado muita insegurança aos moradores do entorno

Há 20 anos, o residencial Vernier até ganhou nome, mas os seus dez andares nunca serviram de lar para ninguém
 
Manaus - Basta visitar algumas avenidas de Manaus, principalmente no centro, para se deparar com grandes “fantasmas de concreto”. Alguns deles assombram a vizinhança há mais de 20 anos. Mas, como morreram esses prédios? Quem foram os “assassinos”? Será que algum dia poderão ressuscitar?

Um desses “monstruosos” é o residencial “Vernier”, nunca inaugurado. A grande torre está erguida na avenida Efigênio Salles, bairro Adrianópolis, Zona Centro-Sul. Os dez andares se perdem atrás das árvores e dos muros que guardam o local, atualmente repleto de lixo no entorno, e que, segundo vizinhos, é muitas vezes esconderijo para usuários de drogas.



Primeiro piso do Vernier tem sinais da presença de moradores em situação de rua e usuários de drogas | Foto: Lucas Silva

Uma moradora, que não quis se identificar, conta que o terreno um dia já foi do seu falecido avô, Augusto Santos, antes de vender para a construtora. "A minha sobrinha, que hoje tem 23 anos, tirou fotos em frente ao prédio, quando era bebê. Naquela época, quando iniciou a construção, tinha uma grama bonita na frente”, lembra.

A moradora diz que o antigo prédio pertencia à empresa Encol, uma gigante do ramo imobiliário dos anos 1990. A construtora é conhecida no mercado de imóveis por ter falido em 1999. A corporação deixou 42 mil clientes sem casa e 23 mil funcionários prejudicados. As obras por todo o país ficaram inacabadas.

Resquícios dos últimos documentos usados na obra que parou no tempo e agora assombra os vizinhos Foto: Lucas Silva

Em um comercial da Encol, nos anos 1990, disponível no Youtube, um homem fala sobre os benefícios de se adquirir um imóvel com a Encol. “A gente compra um apartamento porque um imóvel dá segurança. Mas, não é só por isso. É porque a gente pensa no futuro”.

Diferente da propaganda, o prédio na avenida Efigênio Salles parece ter ficado preso no passado. Em visita ao local, a equipe do EM TEMPO encontrou artefatos que remetem ao início dos anos 2000. Disquetes, televisões de tubo e muitos papéis de recebimentos de materiais datados de 2001. Além disso, capacetes de trabalhadores de construção e matérias-primas estavam jogados pelo terreno. A obra parou no tempo.
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Há alguns anos, teve uma época que toda sexta-feira paravam carros grandes na entrada [do prédio localizado na Efigênio Salles] e pessoas entravam na construção. A gente ouvia eles cantarem hinos e fazerem orações fervorosas. Acho que eram as pessoas que compraram apartamento no local, que nunca ficou pronto. Deviam orar esperando um milagre "


Vizinha do Vernier, que preferiu não se identificar, sobre os últimos movimentos no edifício

A moradora sugere que a prefeitura derrube o prédio e construa no local uma praça paras as crianças brincarem. "Não tem um lugar assim no nosso bairro. Quem tem condição, coloca o filho num clube particular, mas a gente que não tem, nossas crianças não têm onde brincar”, diz.


As torres esquecidas

Mais acima da Efigênio, na avenida Darcy Vargas estão localizadas duas torres também inacabadas. Os “esqueletos de pedra” fazem fronteira com a peixaria Amazônico e a Escola Superior de Tecnologia da Universidade do Estado do Amazonas (Esat-UEA).

Próximas à UEA, duas grandes torres nunca entregues viraram paisagem assombrosa, na avenida Darcy Vargas | Foto: Lucas Silva

O local está cercado por muros e o único acesso às torres é por uma porta de ferro, que no momento da visita da reportagem, estava trancada. Apesar do aspecto abandonado do prédio, uma lâmpada acessa iluminava a entrada da porta. Um suspiro de vida na dupla de torres “fantasmas”.

“Esse prédio era da Encol. Eu moro aqui [em frente ao prédio] há mais de 25 anos e ele já estava aí, inacabado”, comenta um vizinho que não quis se identificar. Ele diz que um vigia cuida do prédio, mas não sabe informar se alguma empresa comprou o lugar. A reportagem procurou pelo segurança, mas o prédio estava inacessível.

Casarão do Boulevard

Em outro ponto da cidade, na avenida Álvaro Maia, Zona Centro-Sul, um casarão chama a atenção. Do lado de fora, uma via movimentada por carros e pedestres, toda a agitação de uma cidade grande. Dentro da casa: escuridão, lixo, entulho e vestígios de consumo de drogas. Quem “atravessa os dois mundos” são os usuários de drogas avistados durante a visita da reportagem.

Para alugar há alguns anos, um casarão com cara de abandonado é abrigo para usuários de drogas, segundo vizinhos | Foto: Leonardo Mota

Em uma clínica particular que funciona ao lado do casarão, funcionários relatam o medo causado pelo “imóvel fantasma”. Por receio, todos preferiram não ter o nome divulgado, já que o local é visitado por usuários de entorpecentes.

“Todo dia depois do trabalho, eu preciso passar pela frente do casarão para ir até a parada de ônibus. Sinto muito medo, porque sempre tem usuários de drogas entrando e saindo do imóvel”, conta uma funcionária.

Outro empregado reforça que a casa é utilizada como ponto de esconderijo para criminosos. “Tem uns dois meses que teve um assalto aqui na rua e o ladrão fugiu aí para o rumo da casa. Entrou no lote e pulou o muro de trás”.

Na frente do casarão em ruínas há uma placa de “vende-se”. Ao ligar para o contato disponível, a reportagem foi atendida por uma mulher que disse não ter qualquer relação com o imóvel. “Eu já pedi para tirarem meu telefone do anúncio. Eu já falei que [ o casarão] não é meu e não sei como meu número foi parar lá”, disse.

Ação Civil Pública

Em 2016, o Ministério Público do Estado do Amazonas (MPE-AM) entrou com Ação Civil Pública junto à Promotoria de Justiça Especializada na Proteção e Defesa da Ordem Urbanística, para tratar dos prédios e terrenos abandonados em Manaus. Entre os imóveis citados, estava o casarão do Boulevard.

Segundo inquérito do MPE-AM, o local pertence ao inventariante Roosevelt Cordeiro Pereira de Melo, dono de pelo menos mais dois lotes em situação de abandono em Manaus. No documento, não há informações do paradeiro de Roosevelt.
Inquérito do MPE-AM cita 60 imóveis em situação de abandono na capital. Em nota, a prefeitura de Manaus informou que, por meio do Instituto Municipal de Planejamento Urbano (Implurb), fez a vistoria das locações e constatou que, destes, 35 estavam em bom estado de conservação e 25 em situação precária.

A prefeitura afirmou ainda que, dos 60 imóveis encontrados, 22 receberam notificação e 17 tiveram aplicação de multas. Após ação do município, restaram 12 imóveis abandonados em situação precária na capital.

Quem fiscaliza

O Implurb é o responsável pelo trabalho de notificação e vistoria de prédios e imóveis em situação de esquecimento. “O abandono é considerado infração, segundo a Lei 003/2014, artigo. 41, inciso IV (Código de Obras do Município), sendo passível de multa no valor de 10 UFMs, o equivalente a R$ 1.017,8 (a UFM tem valor individual de R$ 101,78)”, explica o Implurb, por nota.

Dos três prédios mencionados na reportagem, o órgão confirmou ter conhecimento de apenas um. Segundo o instituto, apenas o imóvel na Darcy Vargas está listado como abandonado e foi vistoriado em agosto de 2019. Os “fantasmas de concreto” na avenida Efigênio Salles e avenida Álvaro Maia não estavam na rota de fiscalização do Implurb. “Os outros não constam com ações de fiscalizações, mas já foram encaminhados para a Divisão de Controle, para devida atuação”, aponta o Implurb.



( Com Informações Portal Emtempo/ Manaus)

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