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Posso falar com o senhor?

Talvez os pedintes não sejam um problema, mas uma consequência da pobreza em que grande parte da população está imergida.



Orlando Câmara

Depois da minha coluna de cotidiano em uma rádio local, na última segunda-feira, um ouvinte enviou uma sugestão de pauta: “Pedintes tomam conta do centro de Manaus, você não consegue comer nada sem que não dê algo para algum pedinte”! Acabei me interessando pelo tema, até porque fui a cinema no sábado, em um grande shopping da cidade e um pedinte me abordou. Eu saia da bilheteria, dentro da sala de espera e ele me parou: “posso falar com o senhor um minuto?”.

Não estava sujo, nem mal trajado, nem tinha uma aparência ruim, mas pedia - dentro do cinema do maior centro de compras da região do Vieralves, talvez o maior de Manaus. Aliás, quem vive o dia-a-dia daquele bairro já deve estar acostumado: na saída das farmácias, da padaria, do empório, em todos os cruzamentos. Jovens, crianças, adultos, homens e mulheres, gente de todo tipo pede. E antes que alguém fale alguma coisa: não, eles não são venezuelanos, ou de qualquer nacionalidade estrangeira. A grande maioria é brasileira, com cara do nosso povo.

Só para ilustrar: o dado mais recente da Polícia Federal dá conta de 7.164 venezuelanos residentes em todo o Amazonas, enquanto que os últimos números do IBGE mostram um desemprego de 17,7% em Manaus que, se extraídos do total da população manauara, chegam a 371.700. Lembro que no final de 2018 passei umas duas semanas indo ao prédio da Secretaria de Fazenda, para um trabalho específico e, nas horas em que ficávamos fora do prédio, o que não faltava era pedinte, e em grande quantidade. Recordo até de um que usava tornozeleira eletrônica e já se explicava de antemão, para não ser mal interpretado.

Talvez não seja o centro da cidade o problema, talvez os pedintes estejam em maior quantidade em outras áreas economicamente mais prósperas da cidade. E talvez eles não sejam um problema, mas uma consequência da pobreza em que grande parte da população está imergida!

Observem o número de imóveis vazios e/ou abandonados em áreas importantes da cidade. Pesquisem a taxa de desemprego em Manaus e na Região Metropolitana, entre as maiores do País. Com boa vontade vocês encontrarão a série histórica do dado, mostrando que isso não começou em 2019, mas já perdura há algum tempo! Não tentem desqualificar a competência do IBGE: isso não vai diminuir o problema, apenas piorar a situação. Lembrem que vocês já ouviram, mais de uma vez, ao longo dos últimos cinco anos: “no Amazonas, 80% de toda a riqueza é produzida por 20% da população”.

Depois disso tudo, liguem os pontos e tirem suas conclusões. Estamos cheios de pedintes nas ruas, e para além delas. Eles incomodam. Mas eles são apenas a expressão de uma realidade em que a raiz é outra.

Quem viaja muito pelo Brasil também já deve ter percebido o aumento expressivo da população em situação de rua. Em algumas cidades, como Brasília e Rio, os dependentes químicos estão nas principais áreas comerciais. Perguntem-se o que isso quer dizer! Mas também se questionem: será que não temos que resignificar tudo isso? Talvez o incômodo deva ganhar outro direcionamento, tirando o foco dos pedintes? A gente precisa pensar grande e adiante, até para enxergar de onde realmente nasce a pobreza. #Pensa

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