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Veja:Megaprojetos portuários e resistência à privatização do Lago do Maicá.

Quilombo Pérola do Maicá, uma das comunidades que vai ser afetada com a construção dos portos.

Comunidades quilombolas e indígenas são ignorados em relatório de licenciamento ambiental para construção de porto em Santarém.



A região norte do país tem sido vista como uma saída rentável para o escoamento de produtos brasileiros para o mercado internacional. A “saída Norte”, como vem sendo chamada pelos agronegociadores, é planejada com a promessa de diminuir pela metade o custo de escoamento de grãos – em especial a soja – que se dá atualmente apenas por portos localizados na região Sul e Sudeste.

Com o aumento de grandes investimentos na região, a preocupação da população de Santarém, no Oeste do Pará, também aumentou. Emblemática, a pretensa construção do Terminal de Uso Privado (TUP) da Empresa Brasileira de Portos em Santarém (Embraps), no lago do Maicá, segue a todo vapor.

A Embraps apresentou à Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMAS) o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), no final de 2015. O documento informa, em síntese, que o Terminal de Exportação de Granel Sólido da Embraps permitirá a movimentação de 4,8 milhões de toneladas de soja por ano, na primeira fase do empreendimento.

A segunda fase das obras, que ampliará o terminal, fará com que ele tenha a capacidade de transportar 7, 2 milhões de toneladas de soja por ano. A expectativa é que 40 milhões de toneladas de soja por ano sejam transportadas até 2020 pelo norte do país, conforme tabela abaixo:



(fonte: site amazonia.org.br)

O que o relatório da Embraps omite são os impactos possíveis para as populações locais, por não reconhecer a existência de indígenas, ribeirinhos, pescadores e quilombolas que vivem e sobrevivem do rio Maicá, rico em biodiversidade e responsável pelo abastecimento de 30% do mercado do peixe na cidade de Santarém. Apenas uma, entre as dez comunidades quilombolas da região foi identificada no Relatório de Impacto Ambiental . Povos indígenas também não foram identificados no documento.

Heloina Maria dos Santos, quilombola de Pérola do Maicá – bairro onde o porto será instalado –, estudante de direito e integrante da Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (Foqs), aponta a violação do RIMA. “Temos nove comunidades quilombolas que serão afetadas e dentro do Pérola do Maicá, um delas, urbana, está em processo de titulação. Como considerar esse relatório válido diante das várias falhas que as comunidades estão apontando e requerendo providências também ao Ministério Público Federal?”, questiona.

O documento também afirma que inexistem sítios arqueológicos na região de influência direta do porto. A professora de arqueologia da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), Camila Jácome, aponta que essa informação é falsa. “Existe um grande potencial arqueológico na área de influência indireta do porto da Embraps, sendo que um dos mais antigos sítios arqueológicos da Amazônia, o Sambaqui da Taperinha, provavelmente está na área de influência indireta do porto”, aponta. Segundo Camila, quase todas as comunidades quilombolas e indígenas da região vivem em cima de sítios arqueológicos de terra preta e, por isso, se elas forem impactadas, esses sítios também serão.

Estima-se ao menos nove comunidades quilombolas que serão diretamente impactadas pela obra: Pérola do Maicá, Murumuru, Murumurutuba, Tiningu, Bom Jardim, Patos do Ituqui, São Raimundo, São José e Nova Vista do Ituqui. Além de indígenas e quilombolas, diversas outras comunidades tradicionais vivem na região do Maicá e nenhuma delas foi consultada, conforme determina a Convenção 169 da OIT.

Mesmo diante de tantas inconsistências no relatório e a não divulgação do Estudo de Impacto Ambiental até o momento, os planos para a obra seguem enquanto uma audiência pública sobre os portos, inicialmente convocada para o dia 23 de fevereiro, foi adiada. Indígenas da etnia Munduruku que vivem na região do Maicá também serão diretamente atingidos e foram completamente desconsiderados no relatório. Por isso, escreveram carta pública em repudiam a privatização de um bem público como o lago do Maicá.

A Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (Foqs) também encaminhou ofício para o Ministério Público Federal, questionando o RIMA e exigindo a consulta das comunidades impactadas.



Projeto do Terminal de Uso Privado da Embraps

Resistência à privatização do lago do Maicá

Com o andamento da construção de portos na região do lago da Maicá, muitas famílias ribeirinhas estão sendo iludidas a vender seus terrenos e as que resistem, estão sendo ameaçadas de serem. Em contrapartida ao medo que sentem de perder suas casas e meios de sustento, a luta da população e os questionamento sobre o suporto “desenvolvimento” que megaprojetos trazem pras regiões que os comportam, também.

No sentido contrário, a Foqs tem realizado trabalhos junto às comunidades, devido a dimensão do impacto que esses projetos provocarão.

Segundo Heloina, além de estarem coletando assinaturas para que seja efetivada a consulta prévia livre e informada nas comunidades tradicionais, nas aldeias e quilombos da região do Maicá, como determina a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), movimentos sociais e representantes de comunidades estão se unindo para levar informações às comunidades e bairros sobre as conseqüências desses empreendimentos.

“Além dos impactos socioambientais como o desaparecimento da vegetação nativa, extinção de animais da fauna, barulho das carretas, esse empreendimento também mudará a vida de milhares de pessoas que sobrevivem da pesca e da agricultura de subsistência, porque o lago do Maicá será privatizado”, destacou Heloina.

A militante também ressalta o aumento de índices de assaltos, prostituição dentro dos oito bairros e das 59 comunidades tradicionais e ribeirinhas que serão afetadas. “Além do medo de perder suas casas e o acesso ao lago de onde tiram seu sustento, existe o medo de perderem seus filhos para as drogas e para a prostituição, pois isso tudo vai aumentando com a chegada de novas pessoas nessas áreas”, afirma.

Unida e solicitando o apoio de órgãos públicos, a população local resiste ao falso discurso de progresso. “Não é esse tipo de desenvolvimento que a população quer – um desenvolvimento que retira as pessoas de seus lares, privatiza e destrói o lago de onde tiram seu sustento, traz perda de fauna e flora. Queremos um desenvolvimento onde nossos direitos, nossos modos de vida e nossa dignidade sejam respeitados”, concluiu a militante da FOQS.


Por Assessoria de Comunicação Terra de Direitos
Extraído do site terradedireitos.org.br publicado no dia 12/02/16

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