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Continua o preconceito da imprensa britânica contra Manaus

Exagero e preconceito da imprensa britânica assustam ingleses que irão a Manaus para Copa 2014
Jornais chamam cidade de 'buraco dominado pelo crime' e relatam delírios no asfalto. A reportagen é de
Eduardo Marini, do R7

Arena da Amazônia receberá o clássico entre Inglaterra e ItáliaChico Batata/Agecom-AM

Inglês Westwood mora em Manaus desde 2002 e defende a cidadeArquivo Pessoal

Manaus vai abrigar quatro jogos da Copa do Mundo 2014.

Oito seleções passarão por lá na primeira fase: Estados Unidos, Portugal, Inglaterra, Croácia, Honduras, Suíça, Itália e Camarões.

Mas em pelo menos uma dessas partidas a “bola parece rolar” desde agora: Inglaterra X Itália, marcada para as 18h locais (19h no horário de Brasília) do dia 14 de junho, um sábado, na bela Arena Amazônia, o antigo estádio Vivaldão.

Isso por causa de polêmicas, melindres e desconfortos diplomáticos gerados nas últimas semanas por impressões e descrições de Manaus publicadas em veículos de comunicação ingleses e reveladas por torcedores, profissionais de futebol e cidadãos daquele país.

Algumas visões corretas e compatíveis com a realidade. Mas a maioria temperada, no entanto, por doses concretas de exagero, desinformação, mitificação, eurocentrismo exagerado e até mesmo preconceito.

Um risco quando se promove o encontro improvável de duas realidades culturais tão distantes. Uma convivência que continua a produzir situações espinhosas nesses dias em que cerca de cinco mil súditos da mais pomposa monarquia do planeta tomam as providências para visitar o Brasil em junho para acompanhar o English Team. Grande parte deles desembarcará em Manaus, onde vivem entre 15 e 20 ingleses.

A troca de farpas começou com algo que pode ter sido um mal-entendido. Dias antes do sorteio dos grupos, em 6 de dezembro, o técnico da Inglaterra, Roy Rodgson, declarou o seguinte ao jornal inglês The Guardian o seguinte:

- O calor do clima tropical é problema para todos (os países visitantes), mas para os jogadores do norte da Europa (onde fica a Inglaterra) será um pouco mais difícil. Tendo em vista o que as pessoas me disseram, Manaus é a sede a ser evitada.

Depois, o técnico tentou esclarecer que nada tem contra a cidade e seu povo. Afirmou que o trecho “é a sede a ser evitada” é uma restrição apenas ao clima quente e úmido, que poderá comprometer o desempenho de sua equipe.

Em vão. Dias depois – e horas antes do sorteio dos grupos - o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto (PSDB), deu o troco na medalhinha do peito. Num comunicado para a imprensa, chamou de forma indireta – ou quase direta – o técnico inglês de sem educação e sua equipe, de medíocre. Confira (os itálicos são notas da redação):

- Torcemos para que venha (no sorteio da Copa) uma seleção melhor (do que a da Inglaterra), com mais futebol e um técnico mais sensível, culto e educado (do que Rodgson). Eis uma das poucas pessoas do mundo (Rodgson) que não têm curiosidade a respeito da Amazônia, que não sonha em conhecer Manaus.

Era o início da “partida”.

Vieram as bolinhas da Fifa e ... claro: deu Inglaterra em Manaus, e logo contra a Itália.

Na noite de 6 de dezembro, definidos os grupos e a passagem do English Team por terras amazônicas, a BBC, o maior canal de tevê britânico e um dos mais importantes do mundo, iniciou o seu bloco de notícias sobre a Copa com rock pauleira Welcome to the Jungle (Bem-vindos à Selva), da banda Guns n’Roses. Trecho da letra: “Bem-vindos à selva/aqui piora todo dia/você aprende a viver como um animal na selva onde nós jogamos”. Something else? Algo mais?

Dois dias depois, em 8 de dezembro, os jornais ingleses sensacionalistas Daily Mail e o Daily Mirror desceram a língua em Manaus com reportagens que misturam dados verdadeiros, fantasia, exagero, soberba e ignorância. Este último termo com o sentido da opinião gerada pelo não saber total ou a informação muito limitada, que, no fundo, gera mesmo é a desinformação.

O Mail chutou forte. Descreveu Manaus não como um grande centro urbano com mais de 1,2 milhão de pessoas, e sim como uma concentração de seres humanos em meio a árvores, folhas e cipós. Confira:

- Os torcedores ingleses que viajarem para a primeira partida da Copa vão enfrentar um exército de animais rastejantes perigosos. Cobras, escorpiões e tarântulas são encontrados a todo tempo na cidade tropical de Manaus. O serviço de saúde inglês alerta para o risco de pegar raiva de cães vadios espalhados pelas ruas.

Com fotos de escorpiões, aranhas e cobras, o Mail cita “os mosquitos da selva que transportam febre amarela, dengue e infecções virais que causam dor de cabeça, febre e cãibras musculares”.

E afirma que há “cem milhões de casos de dengue por ano” apenas na Amazônia. Se foi delírio, certamente não foi motivado por onda de picada de inseto que leva malária ou febre amarela...

Embora menos absurdo e um pouco mais apoiado em dados reais, o Mirror não deixou de trazer sua cota de exagero. Após atribuir “945 homicídios” à cidade em 2013, 70% deles gerados pelo tráfico de drogas, o jornal chama a cidade de “miserável” e “buraco do inferno dominado pelo crime”. Alguns trechos da reportagem do Mirror:

- Os homens de Roy Hodgson (a equipe inglesa) irão enfrentar a Itália no próximo dia 14 de junho, pela Copa 2014, no buraco do inferno dominado pelo crime que é Manaus, a capital do Amazonas. (...) As estatísticas colocam a cidade como o 11º lugar mais violento da Terra. (...) Ladrões armados e loucos de drogas percorrem favelas proibidas para turistas. (...)Barracos decrépitos das favelas, distritos sem lei da cidade, são pintados em cores diferentes para sinalizar as variedades de drogas classe A que vendem.

O jornal lembra que um vôo de ida e volta de Londres a Manaus, via Lisboa, custa 1,2 mil libras esterlinas (moeda da Inglaterra, que vale R$ 3,71 reais), em torno de R$ 4,5 mil. E que um pacote básico com acomodação, passagens e ingressos para três jogos do English Team no Brasil sairá, em média, por salgadas 7 mil libras, cerca de R$ 26 mil.

E cita, com exagero notório e escandaloso, que turistas descreveram “quartos imundos e cozinhas tomadas por insetos, baratas e ratos" em hotéis e restaurantes da cidade no site de viagens Tripadvisor.

O título da reportagem do Daily Mail é “I'm an England fan get me out of here': Supporters will face tarantulas, scorpions, snakes and venomous insects at football world cup stadium in Brazilian jungle”.

Em português, algo como “Sou um fã da Inglaterra, tire-me daqui: torcedores irão encontrar tarântulas, escorpiões, cobras e insetos venenosos no estádio da Copa do Mundo na selva brasileira. Na Arena Amazonas, vejam só...

A frase “Sou um fã da Inglaterra, tire-me daqui” é mais uma estocada irônica dos autores e editores da reportagem. Trata-se de uma referência ao nome de um programa de tevê muito popular na Inglaterra, espécie de reality show em que o participante, colocado em um lugar selvagem, diz essas palavras quando desiste da jornada e deseja abandonar o desafio.

Indignado com tanto exagero, o professor, jornalista e blogueiro inglês Chris Westwood, nascido e criado em Londres, morador de Manaus desde 2012, resolveu entrar na discussão - para puxar a orelha de seus compatriotas. Em seu ótimo blog, dedicado a aos ingleses informações sobre o Brasil (e o Amazonas em particular), ele publicou um texto de resposta com o título Manaus: I’m an England Fan and I Love It Here (Manaus: Sou um Fã da Inglaterra e Adoro Isso Aqui). Alguns trechos:

- Moro em Manaus há dois anos e nunca vi uma cobra, um escorpião ou uma tarântula fora do zoológico. Se esses animais, onde estão, são uma medida do nível de homicídio da cidade, os turistas ingleses deveriam se preocupar mais com as cinzas na Austrália (ex-colônia da Grã-Bretanha) do que com uma curta viagem para a Amazônia. Eu não tenho e não tive qualquer doença tropical desde que cheguei. Peguei uma pequena gripe no início, mas nada que não pode ser combatido com as deliciosas frutas frescas amazônicas, todas riquíssimas em vitaminas, aliadas a um bom par de noite de sono. Jamais fui assaltado aqui – como ocorreu, se posso lembrar, na europeia Espanha.

Numa cruzada individual para combater o que considera “fantasias de desinformados”, Westwood entra em fóruns de portais, veículos de comunicação e da federação de futebol inglesa para descrever Manaus como um morador e trazer as opiniões exageradas para um ponto mais próximo da realidade.

Recentemente, o jornalista criou um serviço para ajudar a hospedar parte dos cinco mil ingleses que irão a Manaus em casas e apartamentos particulares, a preços bem mais baratos do que o dos hotéis.

Em entrevista ao R7, Weswood detalhou suas motivações para fazer o que chamou em seu texto de “contra-ataque”:

- Os torcedores de futebol ingleses merecem respeito. Felizmente estão longe os dias em que eram sinônimo de vandalismo pelo mundo. Hoje, viajam em grandes grupos para competições em todo o mundo. Infelizmente, não posso dizer o mesmo de alguns da imprensa do meu país, e também de veículos sensacionalistas e sem credibilidade como o Mirror e o Mail, que aterrorizam os ingleses com coisas muitas vezes repletas de dados falsos, irresponsáveis até, fruto de um jornalismo feito dentro de salas da Inglaterra por pessoas que não vão aos lugares sentir a verdadeira dimensão da realidade. Os ingleses podem vir a Manaus. Serão tratados com muito carinho, terão proteção da segurança pública e comerão uma ótima comida e peixes sensacionais, com frescor difícil de se encontrar em nossos país.

Mas, apesar da propaganda manauara, amazônica e brasileira, e da ação de seres sensatos como Westwood, fatos curiosos continuam a acontecer neste período em que os ingleses acertam seus pacotes para visitar Manaus durante a Copa.

Em Duelo na Selva, reportagem recente da revista brasileira Piauí, o jornalista e editor brasileiro Felipe Marra, residente em Londres, mostra que o quadro “selvagem” de Manaus pintado por alguns veículos de comunicação locais ainda faz algum efeito no pensamento do cidadão inglês.

No site Be on the Ball, alguma coisa como “de olho no lance”, o ministério das relações exteriores da Inglaterra, entre vários ensinamentos, aconselha os visitantes a tomar vacina contra febre amarela e malária um mês e meio a dois antes da embarcar. E também a ter cuidado com “os animais selvagens” se forem visitar a floresta. Sugere ainda evitar banho na praia de Ponta Negra, “onde várias pessoas morreram afogadas por causa da areia movediça”.

Uma das agências credenciadas, a BAC Sport, embarcará um grupo de seguranças para cuidar de seus turistas o tempo todo no Brasil, inclusive nos estádios.

A mulher de um dos clientes da BAP, um torcedor adulto que embarcará para Manaus com o filho de 13 anos, resume a preocupação exagerada produzida por toda essa batalha de informação e imagem.

Assustada e tensa, a mulher liga quase todos os dias para o diretor da agência, David Pearson, com as mesmas perguntas: para onde meu marido vai levar meu filho? A segurança será confiável? Há cobras e bichos nas ruas?

Até agora, o diretor conseguiu convencer a inglesa de que estará tudo bem.

Tomara que seja assim até o dia do adeus no aeroporto.

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