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Centenário do Rio Negro

'Clube Líder', Rio Negro-AM comemora o centenário da renovação
Segundo clube mais antigo do Amazonas, Galo da Praça da Saudade chega aos 100 anos em meio a dura realidade, mas cercado de rica história

Por Tadeu Matsunaga e Romulo de SousaManaus

Rio Negro e sua tradicional camisa alvinegra. Tradição venceu o tempo (Foto: Blog Baú Velho)

O Galo da Praça da Saudade pode cantar. E cantar alto. Após os recentes devaneios que rondaram o Atlético Rio Negro Clube, o glorioso Barriga Preta alcança um divisor de águas em sua história. O tradicional Porto de Honra (brinde com vinho do Porto) que marca a celebração de mais um aniversário ocorre pela centésima vez, sob o olhar e a benção de Schinda Uchôa, responsável pela ata de fundação do clube.


Se o cenário atual não é dos mais favoráveis (a sede do Rio Negro, recentemente, quase foi a leilão), o dia 13 de novembro de 2013 pode representar o início de uma retomada daquele que um dia foi chamado de ‘O Clube Líder da cidade’. Como disse o técnico Aderbal Lana, campeão pelo alvinegro em 89: ‘’Quem tem tradição tem tudo na vida’’. E isso o Rio Negro tem de sobra.

Com 17 títulos estaduais em sua história, o retrato recente também se mistura com a história do clube, que já viveu a seca de títulos, assim como a hegemonia de um tetracampeonato, que revelou um Aranha Negra 'tupiniquim' e fez de um amazonense, astro do futebol nacional. O Rio Negro, ao longo da sua história, foi uma 'fênix'. Sofreu duros golpes, mas superou as adversidades por saber levar à frente um sentimento: o amor, semeado a um século e cultivado até hoje.

1921 – o primeiro título
Parte do elenco bicampeão entre 31 e 32
(Foto: Blog do Báu Velho)

Se o ‘pontapé’ inicial do Rio Negro ocorreu em novembro de 1913, através da ousadia do jovem Schinda Uchôa, assim como de seus colegas - todos filhos de barões – na Rua Henrique Martins, o ‘gol de abertura’ do Barriga Preta veio oito anos depois. Depois de parar sucessivas vezes diante do rival Nacional, em 1921, o Rio Negro conquistou seu primeiro título estadual. Foi o início do firmamento do clube.

Em 1926, o segundo título iniciou a caminhada do clube como uma das potências do futebol amazonense. No entanto, a Federação Amazonense não reconhece a conquista. Nos anos anteriores – 1924 e 1925 -, não houve a realização do estadual. O torneio é considerado não oficial. Discussão à parte, fato é que o clube até 1940 assegurou mais cinco títulos, sendo um bicampeonato em 31 e 32.


Um dos marcos do bicampeonato foi a linha ofensiva do clube formada por Goiot, Vidinho, Raimundo Bandeira e Ofir, Corrêa e Adair Marques, mas que também possuía no elenco Chico Oliveira, Vandemar Santana, Maluco, Dodoca, Isidoro de Carvalho, Raimundo Bandeira, Armando Barbosa, Arnóbio Valente, Miúdo, Jeremias Cumarú, o Cadú.

Construção da sede e o escândalo de 45

Gozando do fato de possuir um grande número de torcedores - muitos deles da classe média-alta de Manaus -, o Rio Negro passou a carregar a alcunha de ‘Clube Líder da Cidade’. Foi nessa época, mais precisamente entre os anos de 39 e 42, que o clube construiu sua sede. Um dos diferenciais do alvinegro, já na época, também decorria do fato de abrir espaço para outras modalidades esportivas. O clube foi o primeiro a ensinar judô e jiu-jítsu no Brasil.

O fato é comentado pelo historiador Daniel Sales, que lembra ao GLOBOESPORTE.COM/AMque, mesmo com a evolução do futebol dentro do clube, também havia o orgulho pelo fato de se abrir espaço para outros esportes.
Schinda Uchôa foi o fundador do Rio Negro
(Foto: Reprodução)

- Desde o seu começo o Rio Negro se preocupou em oferecer isso (espaços para outras modalidades). A sede foi construída entre 1939 e 1942, mas, mesmo um pouco antes, o clube já praticava o pan-esportismo. Começou com o futebol, mas, como o nome diz Atlético Rio Negro Clube. Ou seja, não se limitava apenas ao futebol e deu margem a várias modalidades. Ou seja, desde cedo, realmente – lembra.

Campeão em 1940, o Rio Negro, desde a conclusão da sua sede, estava sedento por um título. A chance viria cinco anos depois, em 45. Porém, se transformou em um dos capítulos mais agonizantes da história do clube. Não apenas pelo desfecho e o destino do troféu em si, mas pelo o que o episódio acarretaria nos anos subsequentes.

No blog Baú Velho, o jornalista Carlos Zamith relembrou a história e apontou o verdadeiro pivô da discórdia, que aumentou a rivalidade que já se tornava latente com o Nacional, mesmo antes da denominação do ‘Rio-Nal’, que viria ocorrer apenas em 68.

''O Rio Negro já estava com o título de 1945 assegurado, inclusive pela palavra do então presidente da Federação Amazonense de Desportos Atléticos (Fada), Dr. Menandro Tapajós, por ocasião de um tradicional “Porto de Honra” no ano da conquista.

Depois o Nacional utilizou o jogador paraense e venceu o jogo contra o Olympico. Este protestou e o Naça perdeu os pontos provocando a subida do Rio Negro ao primeiro posto da tabela, que lhe garantiu o título. O Naça recorreu e muito tempo depois, e bota tempo nisso, com o campeonato paralisado, foi feita a ”armação” aqui mesmo em Manaus, quando estourou a notícia favorável aos nacionalinos''.

Depois da ausência, o retorno

O episódio instaurou uma verdadeira crise entre Rio Negro e a FADA. Ao contrário do que havia ocorrido no já distante ano de 1919, com acusações do rionegrinos de benefícios ao Nacional, dessa vez o resultado do racha entre as partes foi a saída do clube do campeonato estadual, de 46 a 60. Nesse período, o clube manteve apenas suas atividades sociais, realizando amistosos contra clubes amadores.

Zamith lembra que os comentários na cidade de Manaus, durante toda ausência do Barriga Preta, era quase um apelo pelo retorno do Galo da Praça da Saudade.

''O futebol amazonense não podia viver sem o Rio Negro, era a voz corrente na cidade. Campeonato sem a participação do “barriga-preta” para reviver os grandes clássicos com o Nacional, cognominado de “O mais querido” ou o “Clube das Massas”, não tinha graça, faltava gente no Parque Amazonense, faltava entusiasmo, era futebol sem emoção''.
Rio Negro 1961. A equipe possuía muitos amadoras, mas foi responsável pelo recomeço do time (Foto: Blog do Báu Velho)

O apelo popular surtiu efeito. Em 1960, o Rio Negro voltou à cena sob o comando do jornalista Josué Cláudio de Souza. Foi dele que partiu a iniciativa para semear o primeiro recomeço dentro do Barriga Preta. Contando com o aval de Aristophano Antony, então mandatário do clube, conseguiu reunir alguns sócios e diretores do clube e deu início a ‘reconstrução futebolística alvinegra’. Com um time formado por jogadores amadores demorou a engrenar, mas o clube viria a se reencontrar com o título de 62. E a pitada final de felicidade para os rionegrinos foi o fato de superarem o Nacional na finalíssima, que teve como árbitro Dorval Medeiros, o Guarda. A equipe da época recebeu o apelido de ‘time de heróis’.
Clóvis, o Aranha Negra
(Foto: Reprodução)

Um ano depois, em 63, também marcaria o início da trajetória de um dos principais ídolos do Rio Negro. Clóvis Amaral Machado, nascido em Parintins (a 369km de Manaus), ganhou a alcunha de Aranha Negra. Apesar de começar como zagueiro, ainda no começo da carreira, se consagrou como um dos maiores arqueiros do futebol baré. Foram dez anos à frente da meta alvinegra, intercalados por uma passagem de dois anos pela Rodoviária.

Se as defesas milagrosas o colocavam com o status de um dos maiores goleiros da história, Lev Yashin, ex-goleiro da União Soviética, uma outra história fez dele um dos maiores personagens do clássico ‘Rio-Nal’. Tudo começou com uma toalha vermelha.

- Tudo começou por acaso. Naquele tempo os goleiros não usavam luvas. Num clássico Rio-Nal, o gramado do campo do Parque Amazonense estava escorregadio e eu precisava enxugar as mãos. O técnico Osvaldinho (ex-jogador do América do Rio, e que atuou também em Portugal), deu-me uma toalha vermelha e eu só sei que nesse dia não tomei nenhum gol. Depois, em todos os jogos contra o Nacional, eu levava a minha toalhinha vermelha que sem me deu muita sorte – contou Cóvis, que disputou 119 jogos com a camisa do Rio Negro.

Craque Berg

Ninimberg dos Santos Guerra, ou simplesmente Berg, surgiu no futebol do Rio Negro, no início da década de 80. Fez sua estreia contra o Bangu, mas, um ano depois foi contratado pelo Botafogo-RJ, onde atuou como profissional e até mesmo foi cogitado na seleção brasileira.
Morreu em 1996 de parada cardíaca. Ele foi o único amazonense a receber uma bola de prata. O troféu foi entregue essa semana à Diretoria Barriga Preta que providenciará o restauro da peça.

histórias Pioneirismo

O Rio Negro foi o primeiro clube no Brasil a ensinar Judô e Jiu-Jitsu no BRASIL;
Possui três hinos. algo atípico no país. Um é oficial, outros dois são a marchinha, gravada em 1970, e o Galo Carijó, do Aníbal beça, 1979. O oficial só é executado nos dias 12, que antecedem ao famoso Porto de Honra que acontece no aniversário do clube. Também possui a primeira torcida gay do Amazonas, a Galo Gay

Tempos áureos do Galo da Praça da Saudade

Na década de 70, após se reformular e conseguir reencontrar o caminho interrompido pelo imbróglio no campeonato de 45, o Rio Negro elevou seu status nos campos locais, mas também rompeu a fronteira do bairrismo e se consolidou entre os times da elite do futebol brasileiro.

Em 73, depois de conquistar o título de campeão do Norte, o Rio Negro ingressou na Série A do Campeonato Brasileiro. Na época, apenas o campeão estadual garantia a vaga na competição, mas o Barriga Preta, como vice, também ‘abocanhou’ a condição.

Dirigentes do Rio Negro (Ézio Ferreira) recorreram a Flaviano Limongi e João Valter de Andrade, na época governador do estado, para que uma segunda vaga fosse incluída. O pedido foi acatado e o clube alvinegro, como vice-campeão, estreou na elite contra o América (RN), no dia 26 de agosto de 1973 com um empate sem gols.

Na década de 80, o Rio Negro – duas décadas após volta ao futebol profissional – vive seu período mais vencedor. Em dez anos esteve em nove finais do Estadual e sagrou-se campeão em quatro delas. De 87 a 90, o clube conquistou aquele que, até hoje, é o único tetracampeonato na história do Galo da Praça da Saudade. Contando com um time de qualidade, com jogadores como Bismarck e João Carlos Cavalo, e antecedendo a passagem do saudoso Berg, o Rio Negro chegou na fase de oitavas de final da Série B. O duelo diante do Paysandu (PA), que serviria como estímulo para a já aflorada rivalidade entre Amazonas e Pará, não aconteceu depois de o STJD confirmar a escalação irregular de um atleta.
Rio Negro 1982, tinha como um dos principais destaques Berg (penúltimo entre os agachados). Ele defendeu as cores do Botafogo-RJ (Foto: Divulgação)

O cronista esportivo Arnaldo Santos lembra dessa fase do futebol amazonense.

- Foi a fase mais importante (do futebol baré). As torcidas se faziam presentes e tínhamos o Campeonato Nacional, inclusive com equipes convidadas. Os confrontos eram importantes e também fortificavam o conceito regional. Tinha escândalo, protesto, o torcedor na sua mais pura essência. Chorava na vitória ou na derrota, mas não se perdia a identidade com o clube.

Fim da força e a queda de um gigante amazônico

Sem a força de outros tempos, o Rio Negro começou a regredir nas divisões nacionais, assim como deixar de impor sua tradição no futebol baré. Além de ficar ausente de algumas temporadas do estadual, uma crise financeira também se assolou sobre o clube, que se viu inferior não apenas ao Nacional, mas também outros clubes como o São Raimundo e o Fast Clube.

O Galo da Praça da Saudade, em meados dos anos 90, já figurava na frágil Série C e até mesmo deixara de disputar algumas temporadas do estadual. Os problemas começavam a assolar o clube, principalmente no quesito financeiro. As dívidas, acumuladas de décadas passadas, pesavam cada vez mais, assim como as gestões nada bem sucedidas que cruzaram o caminho do Barriga Preta.
Rio Negro campeão de 2001: Júnior Benfica,Sérgio (Ricardo), Alex, Pereira, Rogério, Tatu, China, Miranda, Nei Bala, Marclo Luiz (Fábio Henrique), Aílton, Sabino(Ricardinho). Técnico: Joel Martins (Foto: Placar)

Em 2001, o clube conquistou o último título estadual, até então. Daí em diante, o que era tradicional em anos anteriores - a luta pela liderança - deu espaço ao embate contra o rebaixamento. Foram três. O primeiro em 2008. Com o aval da FAF, que em capítulos passados havia sido criticada pelo clube, venceu a Segunda Divisão e já retornou. Voltou a ser rebaixado em 2009 e, mais recentemente, se viu de volta a Série B no ano do centenário.

Campeão em 89, o técnico Aderbal Lana condenou a atual situação do Rio Negro. Para ele, um dos maiores responsáveis é a federação de futebol local. ''Eu acho que uma federação que se preza não pode deixar um Rio Negro fora de um estadual do norte do país''.

- Nosso futebol tem pouca representatividade. Precisamos buscar soluções para o nosso futebol. Põe as equipes no campeonato, mas não buscam patrocínio, invetstimentos e fica essa tristeza para um time tradicional como o Rio Negro. Mas eu acredito na recuperação deles, pois quem tem tradição tem tudo na vida. Pode não ganhar títulos, fazer boas administrações, mas uma pessoa sensata vai fazer tudo voltar a acontecer.
Sede do Rio Negro quase foi leiloada por causa de
dívidas (Foto: Divulgação)

Não bastasse o rebaixamento, um dos maiores patrimônios do clube, a sede, no Centro de Manaus, esteve ameaçada e condenada a ir a leilão, por conta de diversas dívidas - a principal delas com o INSS e com a Receita Federal. Porém, o presidente Thales Verçosa, em infindáveis prestações, se comprometeu a pagar as quatro dívidas que constam na conta do Galo.

- Todos os riscos já passaram. Agora é arranjar dinheiro para pagar todas essas dívidas que o clube possui - conclui, antes de declarar seu amor pelo clube.

- Eu considero o Rio Negro um prolongamento da minha casa, da minha família. No dia que eu não venho no clube eu não fico bem. Isso pode até ser uma paranoia, mas é uma coisa que acontecesse comigo. Sou apaixonado por esse clube.

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