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Entrevista do Seedorf, ao site da Fifa

 O professor como é chamado na entrevista, fala de seu relacionamento com os jogadores do Botafogo  dentro e fora de campo.

FIFA.com

Na primeira parte da entrevista com o FIFA.com, Seedorf falou sobre a chegada ao Brasil e como rapidamente tornou-se importante no Botafogo, assumindo o posto de líder de um elenco jovem. Aqui, nosso papo continua e dá detalhes de como o holandês exerce essa influência positiva, com atenção especial aos jovens.

FIFA.com: Na prática, como acontecem são suas conversas com os garotos do Botafogo?
Clarence Seedorf: Posicionamento dentro do campo, por exemplo. Quando a gente joga, oriento muito a postura antes de a bola chegar. E outros orientam também, porque ninguém pode ver tudo dentro do campo. Por exemplo, posso até falar. O Dória teve uma evolução incrível. Ele agora é nosso jogador que vem com a bola desde trás, com confiança. E foi um trabalho de todos. Mas eu conversei muito com ele sobre a preparação da bola. Como ele é canhoto - isso é uma coisa técnica que vou dizer agora -, se a bola ficar quase na frente do pé direito, ele não vai conseguir dar essa bola para a esquerda. É quase impossível. Se a bola fica à esquerda do pé esquerdo, ele vai poder dar a bola para a esquerda e, com um passo para o lado, consegue virar o jogo também. O adversário não sabe o que ele vai fazer. E a gente tem como se comunicar porque eu posso receber a bola se eu estou daquele lado. Ele dá opção para si mesmo e para o companheiro. E complica a vida do adversário. Se ele está posicionado com a bola no pé direito, sabe que só vai poder ir lá na direita ou atrás. A pressão é diferente. São pequenos detalhes que no começo ele não fazia e muitas vezes tinha que voltar com a bola. A gente perdia oportunidade para atacar. Estou falando de oito, nove meses atrás. E ele começou a fazer porque tem um pé muito bom, passa bem a bola, tem um bom arranque. Agora estou entrando em outros detalhes com ele. Não acaba.

E quando são esses papos?
No vestiário, quando a gente faz academia, quando estamos viajando, depois de um treinamento... Todos os dias. Para mim, é contínuo o trabalho. A gente pode melhorar sempre, né? Tem que querer melhorar sempre. Até quando eu estava no Milan, meu grande Milan, a gente estava cobrando um do outro para melhorar todos os dias. Quem para de querer melhorar, se acomoda. Não pode se acomodar se você quer vencer, se você quer ficar lá. É a lei do mercado, do mundo, da vida. Se você para, o outro passa.

Até quando você consegue evoluir?
Não tem fim. Agora estou batendo pênalti também. Nunca bati na minha carreira, durante o ano. Só em finais, coisas assim. Ser o primeiro cobrador do time é uma coisa nova para mim. Até o posicionamento. Agora estou jogando na minha posição, a que eu gosto. Acho que aí expresso todas minhas qualidades, mas joguei só dois anos de toda minha carreira lá. Só dois. O resto joguei mais como volante, mais atrás. De vez em quando na direita, na esquerda, porque eu sabia jogar em todos os lugares, então os treinadores me usavam. Você faz porque no final é o time que conta. Conseguimos dar uma contribuição importante.

Dá mais prazer jogar perto do gol adversário? Ou, no fim das contas, não tem diferença?
Vencer, para mim, não é só levar a Copa, a taça. É fazer o máximo que você pode, dentro e fora do campo. Se um cara joga bem por cinco jogos e começa a sair, beber, dormir tarde, levar uma vida errada, aí sua prestação é sempre menor. E se no fim do ano a gente não conseguiu ganhar, fica sempre aquela coisa. "Fiz tudo mesmo para chegar?" Essa sensação não pode haver. Para mim, vencer é isso. Vencer é fazer tudo que você tem dentro de você, individualmente e como grupo para lograr a taça. Esse tem que ser o espírito. Tem outros que querem vencer também, mas o espírito de vencedor é isso aqui. É consequência de se você tem todos os ingredientes - e tem que ter sorte também. Você ao menos vai ser competitivo. Ser competitivo, isso sim, é a obrigação. Vencer não depende só de você. Mas você fizer tudo que pode, tiver espírito de vencedor, é o máximo.

O Vitinho, em uma entrevista, te chamou de pai.
(risos) Ele é engraçado. Eu tenho que rir. Mas eu podia ser pai de vários lá dentro. É curioso, porque para mim é como se fosse ontem que eu estava naquela posição também, com 16 anos, começando. É muito legal. A gente tem um relacionamento muito legal. Aqui tem uma cultura de dar entrevista o tempo todo, no intervalo dos jogos. Vitinho está numa fase para se consolidar como jogador. Seu talento não está em discussão. Tem que ser protegida sua evolução com jogador, mentalmente principalmente. Sua concentração, seu foco. É difícil para qualquer jogador, em certos jogos, entrar no intervalo e voltar igual, com a mesma atenção, o mesmo foco. Imagina se você vai começar a falar sobre uma coisa que outros querem. E tem um certo momento, como aquele (Seedorf interrompeu uma entrevista de Vitinho no intervalo de uma partida), que não era para ele. A gente tinha que saber lidar melhor com aquela situação. Por quê? Fizemos um gol, mas era um jogo difícil, não estava definido. Era importante manter o foco até o fim. Minha ação era natural e de entender a dificuldade de um jogador - qualquer jogador, experiente ou não - de manter o foco no intervalo. Enquanto você dá entrevista, você se desprende naquele momento do foco do grupo, que é o principal. Essas coisas são pontuais. Não vai acontecer nunca mais porque todo mundo aprende. Agora, ele dá entrevista, mas com outra consciência, sabendo que tem que manter o foco. E esse grupo aprende rápido. Uma vez que evolui, não volta para trás. É nossa grande sorte. Ter química é sorte. Eu, quando fui para o Real Madrid, havia sete anos que não ganhavam campeonato lá. Compraram 14 jogadores, oito ou nove titulares. A gente voou naquele ano. Tem que ter sorte, né? Claro, foi Fabio Capello o treinador, o que foi importante, mas se não tem aquela química entre os jogadores, podia ser que demorasse mais para evoluir e deslanchar.

Seu discurso é focado em grupo, evolução. Seu futuro é como treinador?
Com certeza. Meu discurso é o que sempre senti na carreira. Nunca venci em nada se não tinha todos esses ingredientes. Todos os anos que não foram bons é porque faltava uma dessas coisas. Não sempre vencemos, mas ficamos em segundo. Não pode vencer sempre, né? Mas fomos sempre competitivos até o fim do ano. Já tenho a licença UEFA A para treinadores. Comecei depois que me deram a ideia. Fui trabalhar com jovens lá no Nova Iguaçu e no Boavista e gostei. Eu sempre pensava em ser treinador, mas aí acelerei. Agora estou fazendo a última parte do UEFA Pro (qualificação máxima para treinadores). Estou treinando os garotos de 17 anos lá no Boavista, que é a parte prática, e na parte de teoria estou fazendo os deveres como fazem os treinadores na Holanda.

Quando começará essa nova carreira?
Ah, não sei. Agora, meu objetivo é fazer de tudo para terminar bem a minha carreira, em alta. Nunca acreditei em terminar em times pequenos, quinta divisão, essas coisas. Acho que eu não iria aguentar. O Brasil, de todos países fora da Europa, é o que tem o melhor futebol, e eu queria jogar ainda em alto nível. Sabia que era diferente, que era difícil, mas eu precisava de um desafio. No último ano, (Massimiliano, técnico do Milan) Allegri não me fazia jogar muito. Ele me fez jogar só os jogos importantes. Mas aí eu ficava no banco quatro jogos e estava sem ritmo. Sem o ritmo da minha carreira. Minha média era 48 jogos por ano. De um dia para o outro, comecei a jogar só a metade, aí complica. Complica para o corpo, o ritmo. Eu sou um jogador que tem que jogar. Não ajudou como ele se comportou comigo. Eu não tinha vontade de ficar lá porque eu queria jogar. Eu poderia ter ficado, mas eu queria um desafio importante que me desse aquela motivação de novo. Depois de 20 anos, para levantar todos os dias, para treinar, fazer todas as coisas que estou fazendo para participar com um grupo de um projeto importante.

E você está feliz. A gente percebe quando você fala...
(sorriso) Ah, eu falo sempre assim: você tem que viver onde você está. Sem pensar muito para trás ou muito para a frente. Uma vez que você faz uma escolha, tem que vivê-la bem, intensamente. Amanhã ou em um ano, as coisas mudam, eu mudo de lugar, quem sabe? Então tenho que viver bem.



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