Neuton Corrêa
Partindo dessas premissas, três anos após adotar o ônibus como estilo de vida, imaginei que, primeiramente, pudesse ser compreendido pelos meus pares de classe social. Mas, amigos do busão, o primeiro a aderir as esses pensamentos é um amigo rico. Não chega ser totalmente um amigo, mas é alguém com quem tenho bastante contato. Na verdade, ainda não está pegando ônibus, mas já está treinando.
Ele escolheu a mim para ser seu consultor de transporte coletivo.
Esse amigo chama-se Claudomiro. Não nasceu em berço esplêndido, mas na juventude já conversava em milhões. Mexe com postos de gasolina, empreiteira, transporte fluvial e casou-se com a filha de uma família que é sócia de uma das multinacionais mais poderosas do Planeta. Até bem pouco tempo, só o conhecia de longe, mas, nos últimos anos, tenho trocado algumas palavras, em eventos de bacanas (é, ando por lá porque minha especialidade é a cobertura jornalística do poder).
A última vez que nos encontramos foi num jatinho. Lá, trocamos algumas palavras sobre ônibus. Foi ele quem puxou o assunto:
Me diz uma coisa, você anda pra todo lado de ônibus?
Sinceramente?
Sim.
Não, respondi, explicando: Há situações em que não dá.
Como assim?
Não dá para pegar ônibus de madrugada nem na hora de comprar rancho nem quando saio tarde do jornal. Nesses casos, pego táxi.
E ele:
Tem ônibus pra todo lugar?
Sim, tem. Para onde você quiser ir, fazendo integração, é possível chegar a qualquer lugar de Manaus.
Até aquele momento, para mim, as perguntas dele tratavam-se apenas de mais um olhar desprezível sobre o busão. Aliás, não sei se vocês, que também usam o transporte público, já perceberam que somos tratados como seres inferiores apenas pelo fato de andarmos de ônibus. Prova disso tive esta semana, quando uma colega de trabalho me abordou assim: “Por que você não compra um Celta?”.
Atentem bem para a pergunta e percebam as certezas contidas na indagação. Parecia dizer: “Você não se manca de andar de ônibus?”. E mais. Pelo fato de andar de transporte coletivo ela parecia saber que o máximo que eu posso alcançar, para me sentir melhor, na moda do carro, era ter um veículo popular.
Mas o Claudomiro fazia as indagações com peso na consciência. Disse-me que está pensando em contratar um motorista:
Em casa, são quatro carros. Se eu contratar um motorista, ele poderá me deixar no meu escritório, minha mulher na empresa dela e minha filha na escola. Vou economizar grana e tirar três carros da rua. Porque o problema não é o trânsito. O problema é que tem muito carro na rua.
Sim, assenti, pedindo que ele imaginasse os 800 mil passageiros que utilizam ônibus em Manaus (diariamente) utilizando carro.
Um caos – sentenciou meu amigo rico.
Mais surpreso fiquei, quando ele me disse:
Rico
Preciso que você me ajude. Minha filha não quer mais andar de carro. Ela quer andar de ônibus. Aliás, ela vai para escola de ônibus e quer que eu ande também. Me dá umas dicas aí.
E, para ajudá-lo melhor, pedi que ele fizesse um estágio viajando pelo 300, 600, 010, 352 e pelo 014.
*Escritor, filósofo e jornalista, mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia/Ufam.
Depois de ele fazer essa estagio, garanto que não vai querer mais andar de buzão.
ResponderExcluirEsses ricos são o bam bam mesmo
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