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Guardadores de carro faturam alto nas ruas de Belém

Em busca de reconhecimento e respeito: entre os mais de 2.800 trabalhadores que ganham a vida como guardadores em mais de 422 "pontos" em Belém, mil não são credenciados junto à categoria, que tem sindicato

BELÉM (PA) - Hoje, quase ninguém mais os percebe nas ruas. Aos poucos, eles se tornaram parte da paisagem urbana de trabalhadores. Quando chamam a atenção, algumas vezes provocam reclamações de motoristas. Mas eles, os flanelinhas, já são cerca de 1.800 trabalhadores credenciados em toda Belém. E há mais: além deste total, estima-se que pelo menos mais outros mil estejam atuando na ilegalidade, sem registro junto ao sindicato.

O local de batente são as calçadas. E esses pontos de trabalho já chegam a 422, localizados entre o centro da cidade e as zonas periféricas de Belém. Os flanelinhas, ou guardadores de carro, como gostam de ser chamados, hoje têm sua profissão regulamentada segundo lei municipal nº 8.039, de 2001, e também por lei federal, a nº 6.242, de 1997.

Há 22 anos organizando e orientando estes profissionais, a Associação dos Lavadores e Reparadores de Carro de Belém (ALRCB) surgiu pela necessidade de unir socialmente aquelas pessoas que estavam na informalidade.

ROUBOS - O nome flanelinha veio do Rio de Janeiro. "E pegou, não tem como mudar", atesta Ronivaldo Andrade. O trabalho é apenas um: vigiar e cuidar do carro para que ele não sofra danos na mão de bandidos. "O estacionamento na rua é alvo de ladrões. Às vezes são pessoas que têm condições financeiras boas, mas rouba na rua. Alguns taxistas, por exemplo, quebram um retrovisor e roubam a peça de carros parecidos, para repor. E quem recebe a culpa do roubo é o guardador, que sempre está em primeira, na frente de trabalho na rua".

Sobre os acordos informais tratados diariamente nas calçadas da cidade, Ronivaldo lembra que os donos dos carros não têm obrigação de contribuir com o trabalho. "Mas eles (os flanelinhas) também não têm obrigação de reparar o carro", retruca.

Segundo a associação, os locais onde os flanelinhas não atuam são os pontos onde mais acontecem registros de roubo de carros, como a travessa Arcipreste Manoel Teodoro. "Lá só tem bandido e eles botam os flanelinhas para correr", denuncia. "Nós somos um elemento multiplicador da segurança pública. Alguns trabalham até 12 horas por dia".

Guardador comprou duas casas para a família

Há 28 anos trabalhando como guardador de carro, José Nazareno de Lima, 52 anos, diz ter sustentado sua esposa e seis filhos ao longo deste tempo. Durante oito anos atuou na Praça do Pescador, no Ver-o-Peso e hoje está há 20 anos em frente ao Teatro da Paz. Ele já conseguiu comprar duas casas uma para ele e outra para a sua mãe - só com o trabalho de flanelinha. "A minha está sendo construída aos poucos", conta sorrindo.

Lima mora no Conjunto Paar e sai de lá todas as manhãs bem cedo até o centro da cidade. "O pior é a discriminação. Sempre acham que roubamos ou somos ladrões", diz ele, cobrando dos "clientes" mais consciência do trabalho do flanelinha. "Se quiser pagar, paga. O local é público".

José conta que já chegou até a ser preso, junto com o seu irmão, quando a dona de um carro teve algumas peças roubadas. "Ela nunca me pagava e eu não olhava o carro dela". A mulher acabou chamando a polícia e acusando injustamente os dois guardadores. "Ficamos apenas uma hora na delegacia, conversando com os policiais", conta sorrindo.

SALÁRIO - As duas datas em que o guardador mais fatura são o Círio e o Natal. José trabalha de 8h às 20h. "Às vezes fico ate as onze da noite, quando tem evento no teatro. É de segunda a segunda. Se não vier não tem dinheiro". Enquanto dava entrevista, a dona de um carro chamou o guardador, para orientar sua saída e lhe entregar uns trocados. Os clientes de Lima são, na maioria, funcionários de um banco que fica bem ao lado do teatro.

"Não tenho renda fixa. Se ganho R$ 30,00 num dia, gasto R$ 10,00 e guardo R$ 20,00. Guardando todos os dias, assim chega a mais de um salário por mês", contabiliza o guardador, que aos domingos chega a receber R$ 60,00 com o grande movimento da praça da República. No passado foi melhor. Ele conta que grandes funcionários do banco chegavam a lhe pagar até R$ 100,00 pelo o trabalho, para vários dias. "Mas isso foi há tempos".

Apesar disso tudo, José nunca deixou seus filhos trabalharem como guardadores de carro. "Era muito ruim. O dinheiro era muito pouco", conta ele, que uma vez chegou a perceber que um homem tentava arrombar um carro com uma maçaneta. "Ele (o assaltante) ia abrindo o carro. Cheguei perto e mandei ele ir embora", narra ele, acrescentando que a dona do carro teria ficado grata e lhe dado boa recompensa. "Espero que as pessoas tenham mais respeito com a gente. Afinal, é a nossa profissão".

Uma geração fixada nas ruas

A recompensa pelo trabalho de guardador é bem variada em Belém. O recebimento varia de acordo com a área, garante a associação. "Em alguns dias, tem gente que não recebe nem R$ 5,00 pelo trabalho. Outros fazem R$ 20,00 em uma área considerada boa, como o comércio", atesta o presidente Ronivaldo Andrade. Eles não têm dia de folga. "Se não trabalha, não recebe. Ele (o guardador) é um pescador. É um trabalho sacrificante, porque pegam sol e chuva, e tem que estar no ponto".

Segundo o sindicalista, a categoria é formada hoje na maioria por pais de família. "Há 10 anos atrás, eram muitos adolescentes. Agora são mais senhores e desempregados, pessoas que chegam do interior", conta Ronivaldo. O mais novo associado tem apenas 20 anos de idade. O mais idoso tem 60 anos.

ACIDENTES - Há 22 anos na profissão, Ronivaldo diz se orgulhar do ofício. "Eu era analfabeto quando comecei a trabalhar com isso e não conseguia pagar um colégio pra estudar. Depois que fui recebendo e sendo motivado. Lavei carro e paguei escola durante a noite". Hoje ele faz cursinho e pretende fazer vestibular no próximo ano. "Poucos têm essa percepção e ficam trabalhando como flanelinha. Alguns pela escassez de trabalho ou falta de qualificação".

Segundo o sindicalista, todos recebem treinamento e orientações para como se comportar e saber oferecer o serviço a uma pessoa, por exemplo. "Antes eram pessoas agressivas. Se você não dava dinheiro, eles danificavam os carros. Hoje isso mudou. Entregamos cartilhas de boa relação de trabalho. Para os que não sabem ler, nós lemos. Eles não pagam por nada que o sindicato oferece", garante Andrade. Todos os associados hoje possuem crachá de identificação e uniforme. "Usar o crachá foi o mais difícil de convencê-los, pois eles não estavam acostumados", diz o sindicalista, que ainda oferece auxilio de cestas básicas e remédios. "É determinação da prefeitura municipal. Muitos sofrem acidentes, têm os pés esmagados ou são atropelados, e não têm como trabalhar".
(Liandro Brito/Diário do Pará)

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