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O partido Novo que nasceu velho é tão extremista como Bolsonaro


Bancada do Partido Novo em visita à Presidência da República. Foto: Marcos Correa/PR


João Filho

Há dois anos, escrevi sobre o Novo. O partido se apresentava como um movimento espontâneo formado por engenheiros, médicos, administradores e outros profissionais liberais que tinham uma agenda ultraliberal e sonhavam com um novo jeito de fazer política no Brasil. Não era bem verdade. O Novo foi fundado por ricaços do alto escalão do mercado financeiro que concentraram fortunas graças às políticas econômicas mantidas por todos os governos. Á época, já estava claro que não se tratava de um novo partido liberal com práticas politicas inovadoras, mas mais um que entrou no jogo para manter os velhos privilégios das elites.

O Novo e o PSL de Bolsonaro cresceram no vácuo deixado pela destruição dos partidos políticos tradicionais comandada pela Lava Jato, que, como escancarou a Vaza Jato, tinha um projeto de poder escamoteado de combate à corrupção. O partido do ex-banqueiro João Amoêdo teve um excelente desempenho para um estreante: elegeu o governador de Minas Gerais, formou uma bancada com oito deputados federais e emplacou um ministro no governo. Hoje, nove meses depois do partido ter abocanhado essas frações de poder, é possível dizer que o Novo está construindo seu pretenso jeito novo de fazer política ao lado da extrema direita bolsonarista. O partido virou o queridinho do presidente mais retrógrado da história da República.


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No segundo turno das eleições, João Amoêdo declarou voto em Bolsonaro e prometeu que o partido seria “independente e vigilante”. A promessa não foi cumprida. Nas votações na Câmara, o partido Novo é, junto com o PSL, o mais fiel ao bolsonarismo. Segundo o deputado-príncipe de extrema direita Luiz Philippe de Orléans e Bragança, do PSL, a sigla “apoia integralmente” e “tem votado 90% das vezes em consonância com as propostas do governo”. As digitais do Novo estão impregnadas no projeto bolsonarista de destruição da democracia. A história está sendo escrita, e o partido Novo já deixou claro de que lado quer estar. Os grandes empresários que posam de liberais modernos estão atuando com linha auxiliar da extrema direita no poder, o que, convenhamos, é um clichê na história política brasileira.

O Novo comanda o ministério do Meio Ambiente, talvez a pasta mais desastrosa do desastroso governo Bolsonaro. Depois do ministro Ricardo Salles protagonizar uma crise internacional ao demonstrar desprezo pela ciência e pela Amazônia, o Novo quer nos fazer crer que não tem nenhuma relação com o fato. O partido emitiu uma nota envergonhada dizendo que Salles “não representa a instituição”. Bom, parece que enfim encontramos uma novidade no Novo: os seus filiados que não representam o partido. Vejam que ideia formidável. No fim das contas, o novo jeito de fazer política é a própria negação da política.

Como é que um partido que se diz moderno e liberal, que diz ter um processo seletivo rigoroso para identificar políticos alinhados aos seus princípios, permite que um condenado por improbidade administrativa vire ministro? Como é que esse partido que diz compactuar com o governo apenas na pauta econômica, ainda aceita em seus quadros um dos ministro mais radicais e alucinados do governo extremista?

Não sejamos ingênuos. O Novo sempre soube quem é Salles. É o homem que fez campanha incitando a violência no campo, que mente sobre sua formação acadêmica, que flerta com o negacionismo climático, que se reúne com garimpeiros que exploram ilegalmente a Amazônia, que dá entrevista para um youtuber supremacista branco. Nenhum desses eventos inaceitáveis para qualquer democrata fez o Novo suspendê-lo ou expulsá-lo do partido. Portanto, é falsa a ideia de que há um alinhamento do partido ao governo apenas nas pautas econômicas. O Novo compactua com o lado mais obscuro da extrema direita que lidera o país.

O governador eleito pelo partido Romeu Zema, de Minas Gerais, resolveu surfar a onda bolsonarista ainda no primeiro turno da campanha, quando exaltou Bolsonaro como uma boa opção para presidente. João Amoêdo era o candidato presidencial do Novo, mas Zema já flertava com o bolsonarismo. No segundo turno, o candidato passou a pregar o voto Bolsozema. Até gravou um vídeo em que aparece gritando o lema fascistoide de Bolsonaro: “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos.” Os novos liberais já estavam loucos para montar o cavalo do extremismo.

O cumprimento de promessas eleitorais não foi uma das novidades que Zema e o Novo trouxeram para a política. Nesse quesito, eles empatam ou superam a chamada velha política. Durante a campanha, Zema prometeu que seu secretariado seria 100% técnico e que não haveria presença de parlamentares eleitos. Não cumpriu. Nomeou parlamentares eleitos, sem perfil técnico e com histórico nos governos tucanos e petistas. A velha política tem sido acomodada no governo do Novo. E aqui não faço uma crítica, apenas aponto a demagogia que se fez durante a campanha.

Zema prometeu que seus secretários não receberiam salário, mas também não cumpriu. Prometeu também cortar 80% dos cargos comissionados no estado, mas chegou a pedir a criação de novas vagas na reforma administrativa que aprovou no Legislativo. Disse durante a campanha ser contra a “mordomia”de voar em helicópteros e aviões, mas não abriu mão deles quando chegou ao poder. O vice-governador Paulo Brant, por exemplo, que também é filiado ao Novo, voltou das férias em um spa de luxo com sua esposa em um helicóptero do estado.

E temos também o caso mais emblemático da cara de pau do Novo no poder: Zema foi homenageado pelo governo de Minas Gerais com uma medalha que ele havia prometido extinguir durante a campanha para reduzir custos. O Novo levou a demagogia política para um novo patamar. E é importante registrar: João Amoêdo e outras lideranças do partido participam diretamente da gestão Zema, considerada a grande vitrine do partido.
Não há nada de novo quando ricos se mobilizam para defender interesses dos ricos excluindo os mais pobres do processo.


No quesito representatividade, o Novo não traz nenhuma novidade em relação aos partidos tradicionais, pelo contrário. Ter dinheiro parece ser um critério fundamental para um filiado se tornar uma liderança do partido. Praticamente todos os integrantes da sua bancada na Câmara são homens ricos. Há apenas um deputado que não é empresário, CEO ou herdeiro de um negócio. Há apenas uma mulher. Todos são brancos. Dos 11 deputados estaduais eleitos, apenas duas são mulheres. Todos são brancos. Exceto uma deputada distrital, todos os políticos eleitos são do eixo sul-sudeste. Não há um único político eleito no Norte ou Nordeste.

É natural que o partido dos abonados, que nasceu para defender seus interesses, eleja seus representantes nas regiões mais ricas do país. Afinal de contas, o ex-banqueiro João Amoêdo não fundou o Novo para combater a desigualdade social, racial e regional do país, mas para garantir as políticas liberais que mantenham seus privilégios históricos. O partido Novo não tem interesse em ser plural e representativo de outros setores da sociedade. Apesar do canto dessa sereia liberal ser diferente, não há nada de novo sob o sol.

O grande trunfo que o Novo gosta de ostentar é a redução de custos dos gabinetes dos seus políticos. Claro, dinheiro não é um problema para os ricos do Novo. Enquanto economizam com motorista e cafezinho no gabinete — um gesto que encanta os adeptos do moralismo de quermesse dos devotos da Lava Jato — , apoiam o radicalismo de direita que mantém seus privilégios. Economizam uma merreca nos gabinetes enquanto trabalham para garantir os lucros pornográficos dos bancos. Enquanto a política econômica de Paulo Guedes garantir essa mamata histórica, o Novo seguirá passando o pano para o extremismo.

O partido se orgulha em adotar uma lógica empresarial para sua política interna. A tão falada crise de representatividade pela qual passa os partidos tradicionais não é um problema para o Novo. Os seus donos desprezam esse conceito. Não são os filiados que ajudam construir coletivamente o partido. A escolha dos candidatos, por exemplo, não passa por um debate amplo entre os seus membros. São os ex-banqueiros da cúpula partidária que escolhem através de um processo seletivo com critérios empresariais. É como se o partido fosse uma startup de Amoêdo, que introduziu essa lógica antidemocrática e a apresentou como um diferencial em relação à velha política. Mas é uma aberração que torna o partido ainda menos democrático em relação aos tradicionais. Em vez dos caciques partidários, teremos os CEOs do Novo decidindo o destino do partido.

Para ser candidato a prefeito ou a vereador pelo partido, por exemplo, os interessados são obrigados a pagar de R$ 2 mil a R$ 4 mil para participar da seleção. Ou seja, o partido colocou uma barreira interna para evitar que gente pobre alcance voos mais altos na política. Que processo seletivo rigoroso, não é mesmo? A justificativa de Amoêdo para a cobrança da taxa é formidável: “É difícil imaginar que alguém com competência para ser prefeito de uma grande cidade não tenha R$ 4 mil. Espera-se experiência de vida e gestão de si próprio”. Segundo Amoedo, quem não tem R$ 4 mil para investir não tem capacidade de gerir a si próprio, quanto mais ser prefeito de uma cidade. Para o ex-banqueiro, o pobre falhou na gestão da sua vida e, por isso, não tem condição de entrar para o seu clubinho. É o mundo maravilhoso da meritocracia em que só gente refinada e competente como Ricardo Salles e Zema podem entrar.

Não há nada de novo quando ricos se mobilizam para defender interesses dos ricos excluindo os mais pobres do processo. O que há é apenas um reposicionamento de marca. Na prática, o Novo age do mesmo modo que a velha elite financeira agiu na ditadura militar: fechando os olhos para as atrocidades da extrema direita contra o povo e a democracia em nome da defesa dos seus interesses econômicos.

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