FALE COM O PRESIDENTE
*José Ribamar Bessa Freire
Não lembro mais se era a Panair do Brasil ou o Lloyd Aéreo que mantinha, nos anos 50-60, um voo regular Manaus x Rio, que durava um dia inteiro. Só lembro que ficou conhecido como "o voo da fome", porque ao longo de todo o trajeto, não era servido sequer um mísero cafezinho. O passageiro levava de casa uma marmita com seu próprio almoço, como se fosse para um piquenique. Viajar num Douglas DC-3, veloz como uma carroça, era, então, uma senhora aventura, como a de Santos Dumont no 14-bis.
O atual prefeito de Manaus, Amazonino Mendes, quando era estudante, ganhou o apelido de "farofeiro", porque numa viagem dessas para um congresso da UNE ficou entalado com a farofa. Ele havia levado uma quentinha com frango assado, batata frita e farofa, que comeu sozinho, afobadamente, sem dividir com nenhum de seus companheiros famintos. Ele já era assim, comia sozinho. Eis o que eu queria dizer: já não se fazem farofeiros como antigamente. Demóstenes Torres, o senador do bicho, pelo menos dividiu sua farofa com o Carlinhos Cachoeira.
Voltando à vaca fria, a filosofia da empresa aérea, naquela época, era limitar os gastos só com o combustível do avião. Hoje, os voos já não são tão demorados, mas essa mesma filosofia volta a predominar os céus do Brasil, fazendo com que a gente sinta uma saudade danada da Varig. Estamos ressuscitando os farofeiros. Uma empresa aérea, sovina, vende até cafezinho durante seus voos e apresenta o fato como "uma inovação", como "mais um serviço prestado aos senhores passageiros".
Penso em tudo isso no momento em que escrevo essas mal traçadas dentro de um avião, num voo de um pouco mais de três horas que saiu do Rio com destino à Fortaleza. Vou para o casamento de uma sobrinha querida. O assento que a empresa de aviação me reservou fica lá no rabo da aeronave, você viaja imprensado entre dois passageiros, com as pernas encolhidas, o coração apertado e a alma humilhada. Se o vizinho da frente reclinar a poltrona, não é possível usar o notebook.
- Não tem um assento no corredor para um pobre velho, que precisa de um pequeno espaço para escrever? - pergunto no momento de fazer o check-in.
A funcionária me explica gentilmente que o voo está lotado. Insisto, ela consulta o computador e me diz que na frente tem uma poltrona business, no qual dá até para esticar as pernas, mas pela qual eu teria que pagar cem reais.
- Minhas pernas não são tão compridas assim, não valem cem reais - argumento eu, num quase gemido, renunciando ao business da poltrona. Tento regatear como se estivesse comprando alguma bugiganga num antigo marreteiro da Rua dos Barés.
A funcionária, depois de digitar uma vez mais os teclados do computador, me oferece uma alternativa:
- Bom, o senhor tem sorte, tem ainda vago, lá na frente, um assento conforto que vale trinta reais.
Aceito na hora. Ela preenche um formulário e me manda pagar no balcão da Companhia.
É desse assento, ligeiramente menos xexelento, que eu escrevo, decidido a falar, quando chegar em terra, com o presidente da Companhia Aérea para me queixar do leilão das cadeiras, de cuja existência eu nem podia suspeitar. Não foi a única vez que eu falei com o presidente.
A primeira vez foi para reclamar da troca arbitrária de voo. A passagem que eu havia comprado era para um voo das 15 horas, foi emitido um bilhete pela Companhia, que dias depois o cancelou, substituindo-o por outro voo que decolava a noite. A mudança, comunicada por telefone, foi feita sem me consultar. Telefonei para falar com o presidente.
- Se eu quiser mudar de voo, pago uma multa, mas a empresa pode fazê-lo de forma discricionária, sem qualquer ônus. Tenho o direito de saber, pelo menos, o que ocorreu - eu reclamei.
Uma voz feminina, representando o presidente, contestou:
- Senhor, a mudança foi feita em decorrência de alteração na malha viária.
- O que significa isso? Cancelaram o voo ou ocorreu overbooking, com a venda de mais assentos do que havia no avião?
A voz parecia uma gravadora, permanecia irredutível, repetindo a mesma lenga-lenga.
- Senhor, trata-se de alteração na malha viária.
Pedi, então, que pelo menos me enviassem por e-mail os dados do novo voo, porque necessitava ter algo escrito.
- Senhor, vamos enviar para o seu e-mail. Queira, por favor, confirmar seu email.
Obtemperei que aquele email registrado pela empresa estava desativado havia mais de dois anos e que eu queria substituí-lo por outro.
- Senhor, para realizar tal mudança, acerque-se ao balcão da Companhia trazendo copia de sua carteira de identidade, CPF e atestado de residência.
Desisti. Falar com o presidente, até que eu falei, mas ele não me ouviu, nem respondeu às minhas questões. Sabemos que a escolha do cliente é uma decisão da Companhia Aérea. Saudades do 14-bis e do Douglas DC-3.
P.S. - Berinho, secretário de cultura do Amazonas, ontem fazia compras no Supermercado Bom Preço, no bairro Papicu, em Fortaleza (CE). Fingiu, ainda bem, que não me viu.
*José Ribamar Bessa Freire
Não lembro mais se era a Panair do Brasil ou o Lloyd Aéreo que mantinha, nos anos 50-60, um voo regular Manaus x Rio, que durava um dia inteiro. Só lembro que ficou conhecido como "o voo da fome", porque ao longo de todo o trajeto, não era servido sequer um mísero cafezinho. O passageiro levava de casa uma marmita com seu próprio almoço, como se fosse para um piquenique. Viajar num Douglas DC-3, veloz como uma carroça, era, então, uma senhora aventura, como a de Santos Dumont no 14-bis.
O atual prefeito de Manaus, Amazonino Mendes, quando era estudante, ganhou o apelido de "farofeiro", porque numa viagem dessas para um congresso da UNE ficou entalado com a farofa. Ele havia levado uma quentinha com frango assado, batata frita e farofa, que comeu sozinho, afobadamente, sem dividir com nenhum de seus companheiros famintos. Ele já era assim, comia sozinho. Eis o que eu queria dizer: já não se fazem farofeiros como antigamente. Demóstenes Torres, o senador do bicho, pelo menos dividiu sua farofa com o Carlinhos Cachoeira.
Voltando à vaca fria, a filosofia da empresa aérea, naquela época, era limitar os gastos só com o combustível do avião. Hoje, os voos já não são tão demorados, mas essa mesma filosofia volta a predominar os céus do Brasil, fazendo com que a gente sinta uma saudade danada da Varig. Estamos ressuscitando os farofeiros. Uma empresa aérea, sovina, vende até cafezinho durante seus voos e apresenta o fato como "uma inovação", como "mais um serviço prestado aos senhores passageiros".
Penso em tudo isso no momento em que escrevo essas mal traçadas dentro de um avião, num voo de um pouco mais de três horas que saiu do Rio com destino à Fortaleza. Vou para o casamento de uma sobrinha querida. O assento que a empresa de aviação me reservou fica lá no rabo da aeronave, você viaja imprensado entre dois passageiros, com as pernas encolhidas, o coração apertado e a alma humilhada. Se o vizinho da frente reclinar a poltrona, não é possível usar o notebook.
- Não tem um assento no corredor para um pobre velho, que precisa de um pequeno espaço para escrever? - pergunto no momento de fazer o check-in.
A funcionária me explica gentilmente que o voo está lotado. Insisto, ela consulta o computador e me diz que na frente tem uma poltrona business, no qual dá até para esticar as pernas, mas pela qual eu teria que pagar cem reais.
- Minhas pernas não são tão compridas assim, não valem cem reais - argumento eu, num quase gemido, renunciando ao business da poltrona. Tento regatear como se estivesse comprando alguma bugiganga num antigo marreteiro da Rua dos Barés.
A funcionária, depois de digitar uma vez mais os teclados do computador, me oferece uma alternativa:
- Bom, o senhor tem sorte, tem ainda vago, lá na frente, um assento conforto que vale trinta reais.
Aceito na hora. Ela preenche um formulário e me manda pagar no balcão da Companhia.
É desse assento, ligeiramente menos xexelento, que eu escrevo, decidido a falar, quando chegar em terra, com o presidente da Companhia Aérea para me queixar do leilão das cadeiras, de cuja existência eu nem podia suspeitar. Não foi a única vez que eu falei com o presidente.
A primeira vez foi para reclamar da troca arbitrária de voo. A passagem que eu havia comprado era para um voo das 15 horas, foi emitido um bilhete pela Companhia, que dias depois o cancelou, substituindo-o por outro voo que decolava a noite. A mudança, comunicada por telefone, foi feita sem me consultar. Telefonei para falar com o presidente.
- Se eu quiser mudar de voo, pago uma multa, mas a empresa pode fazê-lo de forma discricionária, sem qualquer ônus. Tenho o direito de saber, pelo menos, o que ocorreu - eu reclamei.
Uma voz feminina, representando o presidente, contestou:
- Senhor, a mudança foi feita em decorrência de alteração na malha viária.
- O que significa isso? Cancelaram o voo ou ocorreu overbooking, com a venda de mais assentos do que havia no avião?
A voz parecia uma gravadora, permanecia irredutível, repetindo a mesma lenga-lenga.
- Senhor, trata-se de alteração na malha viária.
Pedi, então, que pelo menos me enviassem por e-mail os dados do novo voo, porque necessitava ter algo escrito.
- Senhor, vamos enviar para o seu e-mail. Queira, por favor, confirmar seu email.
Obtemperei que aquele email registrado pela empresa estava desativado havia mais de dois anos e que eu queria substituí-lo por outro.
- Senhor, para realizar tal mudança, acerque-se ao balcão da Companhia trazendo copia de sua carteira de identidade, CPF e atestado de residência.
Desisti. Falar com o presidente, até que eu falei, mas ele não me ouviu, nem respondeu às minhas questões. Sabemos que a escolha do cliente é uma decisão da Companhia Aérea. Saudades do 14-bis e do Douglas DC-3.
P.S. - Berinho, secretário de cultura do Amazonas, ontem fazia compras no Supermercado Bom Preço, no bairro Papicu, em Fortaleza (CE). Fingiu, ainda bem, que não me viu.
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