SATIAGRAHA Dossiê do delegado acusa cúpula da instituição de prejudicar as investigações
O dossiê que abalou a Polícia Federal e pôs em xeque a aura de corporação unida e compacta na guerra ao crime organizado revela os bastidores da operação Satiagraha - missão que levou para a cadeia o banqueiro Daniel Dantas e desmontou suposto esquema de desvio de recursos públicos, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.
São 16 páginas subscritas por Protógenes Queiroz, o delegado que comandou a maior ação da PF no ano até ser alijado do inquérito em meio a intensa pressão superior. Punido com o rótulo da insubordinação, ele voltou a Brasília com a justificativa oficial de fazer um curso de especialização.
No documento que confiou à Procuradoria da República, e no qual sustenta ter havido obstrução às investigações e boicote à Satiagraha, Protógenes denuncia que foi forçado a revelar informações sensíveis do caso - e que resistiu por serem elas estrategicamente protegidas pelo sigilo. Afirma ainda ter sido insultado por colegas instalados em postos elevados na hierarquia.
Ele reconstitui os instantes derradeiros da operação, marcados por um duelo interno sem paralelo na história recente da PF. O momento crucial, relata Protógenes, se deu quando a operação preparava o bote a suas presas mais evidentes, entre elas Dantas e o investidor Naji Nahas, a quem a PF atribui o mando de organizações que se teriam associado para fraudes financeiras.
Era a madrugada de 8 de julho, terça-feira. Agentes e delegados se concentravam na sede da Superintendência Regional da PF, no bairro da Lapa, zona oeste de S.Paulo. Às 4h começou a distribuição dos kits diligências - cópias dos mandados judiciais que autorizavam o efetivo a fazer buscas e prisões em escritórios e residências dos alvos da Satiagraha. “As dificuldades ocorreram antes, durante e depois da operação”, acusa Protógenes.
CHOQUE EMOCIONAL - Um dos objetivos era Celso Pitta, ex-prefeito de São Paulo (1997-2000), que mora no Jardim Paulista, na zona sul da cidade. Protógenes e seus homens estavam a caminho quando o celular dele tocou. Do outro lado, uma voz exaltada - era o delegado Paulo de Tarso Teixeira. “Que porra você está fazendo que está fora da superintendência, Queiroz?”, teria dito Teixeira, segundo o relato por escrito de Protógenes. “Você é um mentiroso, você mentiu para mim, você não me avisou porra nenhuma.”
Teixeira conduz a Divisão de Repressão a Crimes Financeiros, unidade de elite da PF. A assessoria da direção-geral da corporação informou que ele não iria se manifestar sobre o caso. Protógenes teria se comprometido a permanecer na superintendência, durante a operação, daí a irritação de Teixeira. Ele afirma que o chefe da Crimes Financeiros o tratou com “palavras de baixo nível” e que um “choque emocional tomou conta de toda a equipe”.
No capítulo “incidentes”, que incluiu no relatório de execução da Satiagraha, Protógenes narra que começaram no dia 7 os preparativos para o cumprimento de 24 mandados de prisão e 56 de buscas. “Recebeu sucessivas ligações telefônicas, em tom agressivo, exigindo cópia da decisão judicial do juiz da 6.ª Vara Federal em São Paulo a fim de verificarem os nomes dos investigados”, assinala o delegado.
Protógenes recusou-se a passar a lista, alegando preocupação com o vazamento de dados secretos. “Por sucessivas vezes (Protógenes) declinou que não poderia atender tal solicitação em razão do sigilo que revestia o trabalho e a importância dos alvos investigados, bem como informou que daria maiores informações a partir das 4h do dia seguinte.” “Durante o desenvolvimento das atividades dos trabalhos de inteligência policial consistente em monitoramento telefônico e telepático, foram muitos os obstáculos enfrentados, desde falta de pessoal, indícios de vigilância por parte da organização comandada por Daniel Dantas, bem como por parte de alguns policiais federais contra a equipe de policiais da Satiagraha”, destaca. (SÃO PAULO-SP - AE)
Polícia Federal nega denúncias
SÃO PAULO-SP (AE) - A Polícia Federal vai informar à Procuradoria da República que mobilizou todo o efetivo e recursos necessários para o êxito da Operação Satiagraha. Foram 300 os policiais destacados na madrugada de 8 de julho para cumprimento de 24 mandados de prisão e buscas em 56 endereços residenciais e comerciais. A PF não admite que tenha havido “obstrução da investigação”, como alega o delegado Protógenes Queiroz, e já começou a reunir as informações sobre o caso. Desde sexta-feira (25), delegados preparam texto com todos os dados acerca do contingente acionado para a missão. A assessoria do delegado Luiz Fernando Corrêa, diretor-geral da PF, garantiu que “desde já se põe inteiramente à disposição” do Ministério Público e da Justiça para prestar qualquer tipo de esclarecimento.
Na semana passada, o dossiê Protógenes Queiroz começou a ser investigado. A apuração está sob responsabilidade do procurador Roberto Diana, que coordena o setor do Ministério Público Federal (MPF) encarregado do controle externo da atividade policial. Diana cobrou explicações da PF. A cúpula da PF admitiu que antes da execução das ordens de prisão tentou obter junto à equipe de Protógenes a lista completa dos alvos de Satiagraha. “Realmente isso aconteceu”, declarou a assessoria do dirigente máximo da PF.
Segundo a assessoria, essa conduta “é absolutamente corriqueira, acontece em qualquer operação da Polícia Federal”.
A PF assinala que precisa saber com antecedência quem e quais são os objetivos da blitz. Isso quer dizer que na véspera de qualquer operação - até então mantida sob segredo para evitar alerta aos investigados - outros setores da instituição, não apenas aqueles envolvidos no caso, ficam sabendo de detalhes da ação.
“É preciso dimensionar a logística da operação”, respondeu a assessoria de Corrêa. “Primeiro para saber quais os locais em que as prisões deverão ser executadas. Se for em órgão público os policiais não poderão se apresentar ostensivamente.” A PF alega que tem por norma saber quem deverá ser capturado para identificar “alvos de periculosidade”.
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